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A campanha para o governo do estado da Guanabara se instalou logo após a transferência da capital para Brasília. Edição de 4/7/1960 (Crédito: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro)

Os debates sobre o futuro da cidade do Rio de Janeiro se estenderam até 1960, quando de sua efetiva transformação em estado da Guanabara, o que aconteceu no mesmo dia da inauguração de Brasília: 21 de abril.

O professor Anderson Barbosa destaca que alguns autores entendem “a transferência da capitalidade para Brasília como o início do processo de perda progressiva da centralidade política exercida pelo Rio de Janeiro, ou mesmo de um processo de esvaziamento econômico”. O debate de difícil solução entre os defensores da fusão e os contrários a ela, chamados de guanabarinos, prosseguiu, na tentativa de se descobrir qual identidade político-administrativa deveria ser adotada pela antiga capital do Império e da República. Hoje, o futuro transformado em presente propõe novas reflexões traduzidas em perguntas. Quais os impactos que a fusão acarretou na economia e na política local? Foi um erro ou o pontapé inicial para o desenvolvimento do interior fluminense?

Enquanto o presente do estado da Guanabara não virava passado, um governador provisório assumiu até que as eleições fossem realizadas. Em 1960, o eleitorado carioca, pelo voto direto e pela primeira vez, elegeu o chefe do Executivo, pois, até então, o prefeito do Distrito Federal, de acordo com a legislação vigente, era nomeado pelo presidente da República. A população do estado da Guanabara, não por muito tempo, escolheu, também por meio das urnas, os deputados que teriam como incumbência elaborar a primeira constituição do novo estado da federação.

Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1914-1977) lançou sua candidatura insistindo no ponto que o eleitorado lamentava: a perda efetiva da condição de capital federal. Carismático, orador brilhante, controverso, teria, se eleito, desafios ligados à administração de um espaço político que reunia expressiva parcela eleitoral brasileira e, ainda, deveria aglutinar as forças locais, naquele intrincado jogo político. Na campanha, Lacerda deixava claros os seus objetivos como futuro governador da Guanabara: reconstruir a cidade – capital e centro do poder desde os tempos remotos –, de forma que o novo estado conservasse o seu lugar de centralidade nas decisões nacionais.

Segundo o historiador Américo Freire, essa matéria seria “um dos principais argumentos por ele esgrimidos contra Sérgio Magalhães – preocupar-se demais com o ‘imperialismo norte-americano’ e de menos com a água que faltava nas torneiras cariocas”.

Utilizando o jornal Tribuna da Imprensa, que fundara em 27 de dezembro de 1949, Lacerda referia-se frequentemente à reordenação do espaço urbano, o que incluía a presença das favelas e os problemas decorrentes.

Foi eleito em disputa apertada frente a duas lideranças concorrentes: Tenório Cavalcanti (1906-1987) e Sérgio Magalhães (1916-1991). O pleito teve o mais alto índice de participação eleitoral do Brasil, pois compareceram às urnas mais de 1 milhão de votantes, aproximadamente 35% da população da Guanabara. Mas, apesar da vitória, Lacerda não foi unanimidade. Se o objetivo, no futuro, era o de alcançar a Presidência da República, a sua administração, além de desenvolver mais conciliação, precisaria se distinguir das demais.

Como primeiro governador, tomou posse em cerimônia realizada no Palácio Tiradentes, no dia 5 de dezembro de 1960. Seu pronunciamento, citado pela antropóloga Guita Grin Debert, deixava claro que, falando do passado glorioso da cidade, distinguia a Guanabara dos demais estados, colocando-a em um lugar especial na federação: “Entre todas as unidades que formam a indissolúvel nação, o estado da Guanabara é dos mais responsáveis e, sem dúvida, o mais preparado para influir na condução geral do país. Pela composição de seu povo, soma de todos os povos do Brasil; pela sua vocação atlântica, que lhe dá um sentido universal da política, que lhe aguça a sensibilidade sem lhe particularizar paixões provincianas; pelas suas tradições de antiga capital, ainda não substituída pela aglomeração de prédios na qual, contrafeitos, acampam os três poderes da República; pela novidade impetuosa de sua ascensão à categoria de estado federado, a unidade que nos incumbe governar estará em condições de cumprir os seus deveres para com a generosa pátria comum que nos abriga”.

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O jornalista Carlos Lacerda foi eleito o primeiro governador do então menor e mais novo estado da nação. Edição de 5/12/1960 (Crédito: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro)

No estado que Lacerda governou por cinco anos, vivia uma população em torno de 3,3 milhões de pessoas, com alto índice de alfabetização (aproximadamente 85%) e com uma densidade econômica significativa, estando atrás apenas de São Paulo, na relação dos estados do país. “As eleições de 1960 ocupam ainda hoje um lugar todo especial no quadro eleitoral brasileiro. Afinal, foi a última vez que se indicou, por voto direto, o presidente da República, antes da longa abstinência imposta pelo regime militar”, registra a historiadora Marly Motta.