D Joao Igreja Rosario
D. João e a corte portuguesa na entrada da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, onde houve missa comemorativa pela chegada da família real ao Rio. Óleo sobre tela do século XX (Crédito: Armando Martins Viana/Museu da Cidade, Rio de Janeiro)

Os desencantos naturais causados pelo impacto da mudança de Lisboa para o Rio de Janeiro, acontecidos nos primeiros momentos da chegada dos novos moradores à cidade, aos poucos se diluíram. Afinal, a convivência dos locais com os que vinham de Portugal, iniciada no dia 7 de março de 1808, prosseguiria sem prazo fixado para terminar.

O padre Luiz Gonçalves dos Santos (1748-1819), que testemunhou a chegada da corte, relatou o momento singularmente: “Toda a cidade se iluminou de tal sorte que não se fazia sensível à retirada do Sol, pois não houve casa, ainda do que a mais pobre, que por meio de luzes não manifestasse exteriormente a alegria interior dos seus moradores”. Essa descrição repleta de entusiasmo tinha razão de ser. Mantinha-se, nessa época, uma harmonia de pensamento entre o Estado e a Igreja, perseguindo e reprimindo tudo que era visto como indesejável. Nesse sentido, incluía-se contestar o poder, a legitimidade da realeza e da monarquia assim como os dogmas e a hegemonia da religião católica romana. O discurso veemente feito pelo letrado, em terras onde boa parte da população era analfabeta, possui tal conotação. Na perspectiva do cronista, o momento era perfeito – mesmo que não fosse real. A narrativa enaltecia a imagem que o religioso via ou a que desejava ver.

Os registros feitos pelo Padre Perereca expressavam também que se deixava para depois qualquer preocupação (pressentida) ou incerteza (intuída). O momento era de alegria e de emoção. Grande parte da população do Rio de Janeiro (agora cenário real), em expectativa, imaginava as novidades que iriam acontecer. Alguns, certamente, vislumbravam os benefícios materiais e simbólicos que se desenhavam no horizonte tropical.

Não era, entretanto, um começo do nada, pois a administração metropolitana já se estendera à colônia, montando repartições semelhantes às de Lisboa. Existiam ministérios do Reino, da Marinha e Ultramar, da Guerra e Estrangeiros, além do Real Erário e outros órgãos da administração pública e justiça portuguesas (como a Mesa da Consciência e Ordens). Segundo o historiador Arno Wehling, “um arcabouço político-administrativo estruturado já existia na colônia, e a transferência das secretarias do Estado para o Brasil apenas completou um processo iniciado anteriormente”.