Jantar Debret t
Os escravos ladinos, que sabiam falar português e faziam serviços domésticos na casa-grande, eram os que recebiam os melhores tratos de seus senhores. Gravura de Jean-Baptiste Debret, 1835. Domínio público, Acervo ABL

Para o historiador Eduardo Silva, "a escravidão não funcionou e se reproduziu baseada apenas na força. O combate à autonomia e à indisciplina escrava, no trabalho e fora dele, se fez através de uma combinação de violência com a negociação, do chicote com a recompensa".

Os escravos que trabalhavam na casa-grande recebiam um tratamento melhor e, em alguns casos, eram considerados pessoas da família. Esses escravos, chamados de "ladinos" (negros já aculturados), entendiam e falavam o português e possuíam uma habilidade especial na realização das tarefas domésticas. Os escravos chamados "boçais", recém-chegados da África, eram normalmente utilizados nos trabalhos da lavoura. Havia também aqueles que exerciam atividades especializadas, como os mestres de açúcar, os ferreiros e outros distinguidos pelo senhor de engenho. Chamava-se de crioulo o escravo nascido no Brasil. Geralmente dava-se preferência aos mulatos para as tarefas domésticas, artesanais e de supervisão, deixando aos de cor mais escura, geralmente os africanos, os trabalhos mais pesados.

A convivência mais próxima entre senhores e escravos na casa-grande abriu espaço para as negociações. Essa abertura era sempre maior para os ladinos, conhecedores da língua e das manhas para "passar a vida", e menor para os africanos recém-chegados, os boçais. Na maioria das vezes, essas negociações não visavam à extinção pura e simples da condição de escravo, e sim obter melhores condições de vida: manutenção das famílias, liberdade de culto, permissão para o cultivo em pedaço de terra do senhor, com a venda da produção, e condições de alimentação mais satisfatórias.

Palmares t
A Guerra dos Palmares. Os quilombos eram não só comunidades de resistência ao trabalho compulsório, mas também de afirmação da cultura africana. Óleo sobre tela de Manoel Victor Filho, século XX. Domínio público, Arquivo Histórico Ultramarino

Uma das formas de resistência negra era a organização dos quilombos – comunidades livres constituídas pelos negros que conseguiam fugir com sucesso. O mais famoso deles, o Quilombo dos Palmares, formou-se na Serra da Barriga, atual Alagoas, no início do século XVII. Resistindo por mais de 60 anos, nele viveram cerca de 200 mil negros. Palmares sobreviveu a vários ataques organizados pela Coroa portuguesa, pelos fazendeiros e até pelos holandeses.

Para o senhor de engenho, a compra de escravos significava um gasto de dinheiro considerável e, portanto, não desejava perdê-los, qualquer que fosse o motivo: fuga ou morte, inutilização por algum acidente ou por castigos aplicados pelos feitores. A perda afetava diretamente as atividades do engenho. Outro problema a evitar era que as revoltas se tornassem uma ameaça ao senhor e à sua família, ou à realização das tarefas cotidianas. Dessa forma, se muitas vezes as relações entre senhores e escravos eram marcadas pelos conflitos causados pelas tentativas dos senhores de preservar suas conquistas, em muitos casos, a garantia dessas conquistas era justamente o que possibilitava uma convivência mais harmoniosa entre os dois grupos.