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Os inúmeros problemas de infraestrutura da capital federal eram temas recorrentes na imprensa da jovem República (Crédito: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro)

Durante a presidência (1902 a 1906) de Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848-1919), quinto presidente da República, foi implantado o projeto que transformaria o Rio de Janeiro na capital do progresso. Para financiar as obras, o governo federal obteve um expressivo empréstimo da Inglaterra, segundo a historiadora Margarida de Souza Neves, de “8.500.000 libras esterlinas, a metade da receita da União”!

Com a reforma urbana, pretendia-se dar outro perfil, na face e nos hábitos, para a capital federal. A cidade se transformou em um imenso canteiro de obras, sob o comando do engenheiro Francisco Pereira Passos (1836-1913). Começava o que foi denominado na época como o “bota-abaixo”.

Nos primeiros anos do século XX, a imagem da capital federal precisava ser reconstruída e transformada no símbolo de modernidade. O passado seria superado por meio de um comprometimento com o modelo francês de arquitetura e urbanismo, o que permitiria, segundo o historiador Jonas da Silva Abreu, “a entrada da nação no seleto grupo das nações ‘modernas’”.

Os trabalhos realizados a partir da aprovação, em 1903, de um projeto chamado Embelezamento e Saneamento da Cidade – que incluía ações como o escoamento de águas pluviais, melhoramentos dos serviços a cargo da Prefeitura e abertura de escolas primárias – resultaram em disposições urbanas, despertando olhares e sentimentos diversos – quanto ao presente e quanto ao futuro. A partir de sua indicação para prefeito do Distrito Federal, em 1902, empreendia, segundo palavras do escritor Manoel Carlos Pinheiro, “em consonância com o governo federal, um amplo programa de reforma urbana, que, inspirado na remodelação parisiense, tinha o intuito de fazer do Rio de Janeiro um símbolo do ‘novo Brasil’”.

“Gosto muito pouco de incomodar.” Tais palavras, citadas pela historiadora Maria Inez Turazzi, foram escritas pelo jovem Francisco, aos 20 anos, e talvez não tivessem sido proféticas. Pereira Passos tinha feito parte da Comissão de Melhoramentos, instituída no ano de 1875, ainda durante o Império. Como outros jovens bem-nascidos daqueles tempos, completou seus estudos de Engenharia em Paris, cidade que vivia uma fase de profundas reformas conduzidas por Georges Eugène Haussmann (1809-1891), no período de 1853 a 1879.

Na administração de Pereira Passos, iniciada em 30 de dezembro de 1902, de imediato foram tomadas algumas medidas, entre atos e decretos, na tentativa de impor civilidade ao habitante da urbe, por meio de um efetivo controle urbanístico. Tal anseio, alterando e disciplinando formas gerais de sociabilidade, objetivava eliminar antigos hábitos da população diante da nova ordem que se instalava a partir da República. Uma série de proibições ligadas às práticas urbanas, usuais até então, foram estabelecidas por decreto, entre elas: o comércio ambulante da venda de leite (retirado dos animais conduzidos pela cidade); a venda de bilhetes lotéricos em ruas, praças e bondes; e o recolhimento dos cães vadios que circulassem sem seus donos. E também acender fogueiras nas ruas e soltar balões (pelo risco de incêndios), e transitar descalço e sem camisa em localidades públicas.

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A decadência dos casarões coloniais, no centro do Rio, antes do “bota-abaixo” (Crédito: Augusto Malta/Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro)

Tais medidas nem sempre eram bem aceitas pela população. A partir dos seus contemporâneos até os que falam sobre Pereira Passos nos dias atuais, oscilam a extremos as descrições de seu perfil ou de suas ações. Os adjetivos mais usados são: empreendedor, incansável e benemérito; ou ditador, autoritário e insuportável. Por meio de um documento bem-humorado da época, citado pela historiadora Maria Inez Turazzi, os inconformados cães vadios perseguidos na sua administração argumentam, contestando, por meio de um “Protesto-Súpplice ao Todo Poderoso”, a posição autoritária do prefeito.