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A Rua do Ouvidor, o ponto de consumo e de encontro da sociedade carioca do século XIX. Fotografia de 1862 (Crédito: Rafael Castro Y Ordoñez/Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro)

Segundo os letrados da década de 1880, a rua que mais traduzia a fisionomia e a alma do Rio de Janeiro era a Rua do Ouvidor, ponto de encontro da sociedade carioca daquela época. O médico e escritor Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) referia-se a ela como sendo “a mais passeada e concorrida, e mais leviana, indiscreta, bisbilhoteira, esbanjadora, fútil, noveleira, poliglota e enciclopédica de todas as ruas”, onde se falava e se ocupava de tudo. Para o historiador Delgado de Carvalho, era “o pulso da cidade”, orgulho da corte e sonho dos provincianos. Nessa época, citado pelo escritor Arnaldo Faro, um viajante que esteve na cidade registrou suas impressões: “O Rio de Janeiro é o Brasil e a Rua do Ouvidor é o Rio de Janeiro”. Por volta de 1820, comerciantes e modistas começaram a se fixar naquela artéria urbana. Logo vieram se juntar a eles perfumistas e cabeleireiros – protagonistas de origem francesa. 

As vitrines dessa famosa rua expunham os objetos de desejo que poderiam ser comprados por alguns e vistos por todos. “Ah! as lojas de comércio elegante”, diziam vaidosamente as senhoras da boa sociedade imperial. Afinal, não bastava ser; era necessário parecer! Assim pensando, as lojas concentradas na Rua do Ouvidor permaneciam encantando os olhares femininos fixados na moda europeia, especialmente no que era importado da França. Os perfumes, no século XIX nomeados de aromáticos, passaram a caminhar ao lado da moda, em uma verdadeira parceria mantida até hoje.

No século XIX, nomes importados eram usados como uma forma de traduzir a origem do que era comercializado na Ouvidor. Se aquela que antes era a iaiá, agora mademoiselle, precisasse comprar roupas novas, deveria ir até a casa de modas de madame Dreyfus ou o Palais Royal. Tecidos finos, linhos, cambraias? Notre Dame. Vestimentas para cavalheiros? No alfaiate Raunier ou na Tour Eiffel. Precisando de chapéus? Casa Douvizi. Roupas femininas para montaria? La Belle Amazone.

Interessante é notar que muito do que era importado, entrando no estoque das lojas da cidade imperial e alcançando as vitrines, poderia ser peças já descartadas pelas novas tendências francesas conhecidas como virada da moda. Ou pela mudança de estação ou até mesmo por não terem caído no gosto das mulheres e dos homens parisienses. Aquele morador do Rio, ou visitante, que desejasse estar atualizado quanto ao conceito do que era novo, parisiense, tinha que caminhar até o endereço certo: a Rua do Ouvidor. Para ver e para ser visto! Como dizem os versos da canção Pra Rua me Levar, de Ana Carolina e Totonho Villeroy, que conta uma história de amor (quem sabe carioca?):

“Vou deixar a rua me levar
Ver a cidade se acender
A lua vai banhar esse lugar
E eu vou lembrar você”.

Em contraponto, na passagem do tempo rei, em meio ao som das lojas de eletrônicos, às buzinas dos veículos, ao comércio de produtos populares e ao intenso verão da cidade, por ali circula hoje uma moda muito mais despojada. Bermudas, regatas e vestidinhos de tecidos leves dão o toque informal e contemporâneo à Rua do Ouvidor. O Rio de Janeiro continua sendo lindo: uma cidade de memórias abraçadas pelo tempo.