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— Cartografia e a “geografia das ausências” na Educação Básica
16 Junho 2021 | Por Fernanda Fernandes
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A cartografia pode ser uma importante ferramenta para contextualizar e aprofundar temas e discussões com os alunos. Inclusive sobre temas contemporâneos.

Em maio de 2020, os professores Tatiana de Souza Ferreira e Eduardo de Oliveira Rodrigues, do Colégio Pedro II (Campos Realengo II), sentiram a necessidade de oferecer aos estudantes materiais que fizessem sentido com o momento vivido: a pandemia do novo coronavírus.

“As aulas foram suspensas, o cenário era de incerteza e o assunto que predominava nas mídias e redes sociais era a disseminação da doença. Seu espraiamento espacial e deslocamento social/racial começava a ser noticiado. E nós percebemos uma possibilidade de usar as ferramentas da Geografia para qualificar e aprofundar o debate com os estudantes”, destacam os docentes, em entrevista ao PORTAL MULTIRIO.

Mapa de distribuição espacial dos casos no período 01/04/2020-15/04/2020, elaborado por Eduardo Rodrigues e Tatiana Ferreira (Imagem: Arquivo pessoal dos autores)

Para isso, Tatiana e Eduardo acessaram dados disponibilizados na época pela Prefeitura do Rio. A ausência de variáveis como etnia e CEP, no entanto – fundamentais na opinião dos professores –, fez que com os docentes mudassem a abordagem pedagógica.

“Ainda era possível tratar do impacto diferenciado da Covid-19, segundo as desigualdades regionais, raciais/étnicas e econômicas. Mas a ausência da raça e do local de moradia nos dados reorientou o debate central da atividade para uma reflexão sobre o porquê de certos sujeitos serem invisibilizados; e sobre como a desigualdade se revela fortemente naquilo que o dado não mostra num primeiro momento”, explica Tatiana Ferreira, que foi quem desenvolveu a atividade com os alunos.

O trabalho foi feito no ensino remoto, por e-mail, com uma turma do Ensino Médio. Segundo a professora, naquele momento, nenhuma atividade era de caráter obrigatório, já que muitos alunos tinham dificuldade de acesso à internet ou a equipamentos adequados.

“Nossa maior preocupação era oferecer materiais de qualidade, mas sem aprofundar a exclusão de estudantes já em situação de precariedade”, diz Tatiana.

O que é “geografia das ausências”?

A ideia da ausência como uma categoria de conhecimento já foi explorada por alguns autores, de acordo com Tatiana Ferreira e Eduardo Rodrigues.

“Pensar em geografia das ausências é pensar na falta, naquilo que não se representa, como um potente produtor de conhecimento”, explicam.

Os professores afirmam que a cartografia tem sido um importante caminho para debater sobre quem e o que é passível de representação; sobre quem decide e como decide sobre os elementos passíveis de visibilização.

“Toda representação social – incluindo os mapas – informa não só aquilo que exibe, mas também aquilo que ela deixa de fora. Para citar um exemplo: a ausência de negros em espaços de poder e decisão, a ausência da história das lutas empreendidas pelo movimento negro nos livros didáticos, a ausência do mapeamento da cultura negra na cidade do Rio de Janeiro, e até da variável ‘raça’ ao registrar os dados sobre as infecções e óbitos por Covid-19, é reveladora do racismo que nos estrutura”, apontam os pesquisadores.

Mestres em Geografia, os docentes publicaram o artigo Cartografando segregação na pandemia: a geografia das ausências e o seu papel na produção de materiais didáticos, na Revista Giramundo. No artigo, eles falam sobre o projeto desenvolvido com alunos do CPII e apresentam, ainda, outros mapas.


Mapeamento no Ensino Fundamental: a escolha dos temas

Os professores do CPII ressaltam que o mapa, enquanto uma linguagem, é capaz de auxiliar os alunos a conhecer o mundo por meio da visualização ou do encobrimento de sujeitos e de fenômenos.

O passo que segue ao diagnóstico das ausências na cartografia tradicional, de acordo com os docentes, é o mapeamento de temas que permeiam o cotidiano dos estudantes.

“Respeitando-se as características de cada faixa etária, todo e qualquer estudante pode produzir mapeamento. Com alunos do Ensino Médio e do Ensino Fundamental, já trabalhamos cartografando rodas de samba, batalhas de RAP, lazer em espaços públicos, gênero e segurança pública etc. O objetivo é sempre que eles selecionem os temas e produzam os mapas de maneira coletiva. O professor orienta o processo a partir do método da Cartografia da Ação Social”, aponta Tatiana, indicando trabalhos das professoras e pesquisadoras Cátia Antônia da Silva e Ana Clara Torres Ribeiro, para quem desejar se aprofundar no assunto.

Imagem: mmi9/ Pixabay

Os professores acreditam que a licenciatura em Geografia ainda oferece componentes curriculares distantes do complexo exercício profissional na Educação Básica.

“Isso se reflete de maneira sensível nos currículos escolares, nos quais o peso da tradição dificulta a inserção de novos temas e escalas. Ainda é comum que se considere como conhecimento válido e formal apenas o que é produzido nos espaços acadêmicos, mas não o que se origina da experiência dos estudantes e dos professores nos espaços onde estão inseridos”, destacam.

Tatiana e Eduardo acrescentam que o trabalho com mapas também pode ser desenvolvido por meio de ferramentas cartográficas on-line.

“Elas permitem usos dos mais diversos: desde a mera localização no espaço até a criação de mapas colaborativos on-line. Esses mapas nos parecem interessantes, uma vez que podem ser o resultado do trabalho conjunto entre estudantes e professores – inclusive a partir de uma perspectiva interdisciplinar”, defende Eduardo, enfatizando a importância de haver melhorias na infraestrutura das escolas, no acesso dos alunos à internet e nas condições de trabalho dos professores.

Desafios no ensino de Geografia

Para os professores do CPII, as condições precarizadas de trabalho dos profissionais da educação, a elevada carga horária em sala de aula e o pouco incentivo dado à formação continuada são barreiras para que o professor seja, também, pesquisador.

Além disso, eles pontuam que, em geral, a escala local é praticamente ausente nos livros didáticos, que favorecem a abordagem sobre fenômenos na escala global, nacional ou, quando muito, em comparações regionais.

“Em um país com enormes desigualdades, como o nosso, a produção de materiais que dialoguem com o local acaba recaindo sobre os docentes”, lamentam.
Eles criticam, ainda, a vigilância e a tentativa de censura por parte de determinados movimentos políticos.

“Criam dificuldades para que temas presentes no cotidiano escolar, e na juventude como um todo, como gênero, sexualidade e raça/etnia, sejam abordados de maneira adequada.”

 
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