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— Mapas medievais e de fantasia épica na Geografia escolar
16 Junho 2021 | Por Fernanda Fernandes
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Pesquisadora da Unicamp explorou o universo de livros e de games de fantasia em projeto desenvolvido em escola em Campinas (Imagem: simisi1/ Pixabay)

Para ampliar a ideia dos alunos sobre cartografia e estimular o contato com mapas não convencionais, Deyse Cristina Brito Fabrício, mestra em Ensino e História de Ciências da Terra pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), decidiu trabalhar mapas medievais e de fantasia épica com alunos de uma escola pública no município de Campinas (SP).

A pesquisadora, que atualmente faz doutorado na mesma área, explorou o universo de livros e de jogos sobre mundos fictícios – como O Senhor dos Anéis, O Hobbit e o game Destiny –, que fazem parte da realidade de muitos adolescentes.

“São temas que podem estar no contexto escolar e que ampliam, não só a noção de mapas, mas a ideia da realidade do aluno. Será que o trajeto casa-escola constitui toda a realidade do estudante? Quais são as outras possibilidades?”, questiona, destacando que livros de fantasia épica, como As Crônicas de Nárnia, fornecem noções espaciais, que são inspiradoras para cenários de jogos virtuais.

Na opinião da docente, os mapas usados em salas de aula costumam ser muito padronizados e a cartografia hegemônica se torna a única concepção de mapas dos estudantes.

A escolha pelo trabalho com mapas medievais se deu por Deyse acreditar que esses, quando ensinados na Educação Básica, são tidos como primitivos. E, também, para mostrar que o tipo de mapa visto atualmente não é “regra” em toda a história da cartografia.

“Os mapas medievais são narrativas únicas que podem nos ajudar a questionar o tradicional ‘norte para cima’, por exemplo, que não é obrigatório. Na Idade Média cristã, predominava o leste para cima. Os objetivos dos mapeamentos eram diferentes. A intenção, naquela época, era mostrar a história cristã: que o fiel pudesse olhar o percurso, começando na parte de cima (que era o leste), no Paraíso, até chegar à base do mapa, o fim do mundo, o Juízo Final”, explica, reforçando a importância do raciocínio histórico e da articulação entre conteúdos de Geografia e de História.

Como o projeto foi desenvolvido

Tema da dissertação de mestrado da pesquisadora – que contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) –, o projeto foi desenvolvido com uma turma do 1º ano do Ensino Médio. A professora diz, no entanto, que as constatações podem ser ampliadas para toda a Educação Básica.

A proposta começou a ser desenvolvida a partir de um formulário diagnóstico, no qual os alunos responderam, por escrito e anonimamente, questões como “para que servem os mapas?” e “em que situações do cotidiano eles são utilizados?”.

Deyse Fabrício reforça a importância do incentivo às pesquisas e às mulheres na ciência (Imagem: Arquivo pessoal da pesquisadora)

“A maioria absoluta respondeu que mapas servem para localização. A partir dessa constatação, resolvi questionar o porquê. Se considerarmos mapas de outros períodos históricos, a localização métrica e matemática, do jeito que temos hoje, não era o objetivo do mapeamento. A questão histórica da elaboração dos mapas é muito importante para entendermos que os objetivos podem diferir, dependendo de cada época”, ressalta a docente.

As atividades partiram de dois eixos complementares. Primeiro, os alunos confeccionaram mapas de fantasia épica usando folhas tamanho A4, lápis de cor e giz de cera. Depois, foram realizadas leituras de mapas medievais “T e O”.

Durante a confecção dos mapas, segundo Deyse, os alunos se mostraram muito preocupados com a estética, em ver o mapa “pronto” e “bonito”. E tiveram dificuldades em criar algo que fosse, realmente, fruto da imaginação deles.

“Tentei desconstruir isso ao longo das aulas, porque era sobre a criatividade deles. Os alunos, às vezes, se preocupam bastante em agradar e dar a resposta que o professor quer. Mas quando você mexe com a imaginação e faz um mapa baseado na fantasia épica, existe um jeito certo de fazer um mapa? Nós, professores, queremos criatividade, articular conhecimentos, muito mais do que pedir que decorem uma resposta certa”, argumentou.

Ao final do projeto, as atividades foram discutidas por meio de entrevistas com os alunos. Eles contaram as histórias que suscitaram a criação de seus próprios mapas, revelando seus repertórios, relacionados a livros, como A Guerra dos Tronos, e a jogos de videogame, como Destiny. Também revelaram que não conheciam mapas medievais e que acharam extremamente interessantes.

“O que pensávamos, já não pensamos agora. Algum mínimo detalhe pode ser a história toda do mapa, que vale a pena olhar”, relatou um estudante.

“Estudar e criar mapas pouco convencionais é ampliar possibilidades para os estudantes mapearem suas próprias narrativas. Faço um convite para despadronizarmos os mapas em sala de aula. E que pensemos em formas outras de descrever o mundo, de narrar o mundo e de imaginar outros mundos”, concluiu a pesquisadora.

Deyse Fabrício, que conta com o apoio do CNPq para o doutorado, destaca a importância da valorização e do reconhecimento da pesquisa universitária pela sociedade.

“Um país também pode ser reconhecido por suas pesquisas e pelas patentes que desenvolve. Por isso, eu apoio o incentivo às pesquisas e, também, o incentivo às mulheres na ciência.”

Mapas e discursos de poder

Imagem: Gordon Johnson/ Pixabay

A pesquisadora da Unicamp enfatiza a importância de abordar com os alunos as estratégias e discursos de poder que os mapas possuem.

“Os mapas não são neutros. Um exemplo que estamos muito acostumados a ver na sala de aula é aquele mapa-múndi convencional. Mas pensemos em invertê-lo, em colocar o Pacífico no centro do mapa, por exemplo. Assim, temos uma perspectiva totalmente diferente do mundo”, aponta.

“Os discursos políticos devem ser colocados em sala de aula porque se transformam em discursos de apropriação de território. Por isso, hoje, temos cartografias participativas em que indígenas fazem seus próprios mapas. Ter o domínio da confecção de mapas também pode significar ter o domínio do território. E isso é muito sério, principalmente no Brasil”, conclui.

 
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