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Classes hospitalares restabelecem a rotina infantil
16 Setembro 2014 | Por Sandra Machado
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ch IPPMGEm vez de dever de casa, eles fazem o “dever de cama”. Mas para por aí a diferença na rotina de quem vive uma situação de internação e está temporariamente afastado das salas de aula. Tanto a Lei de Diretrizes e Bases quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente determinam que o poder público garanta seu direito ao atendimento pedagógico-educacional, em consonância com o currículo escolar. Ao dar prosseguimento às suas atividades de estudo, o aluno retoma o hábito mais importante do seu cotidiano e, com isso, recobra a autoestima, o senso de normalidade e a socialização. É por isso que as chamadas classes hospitalares são um santo remédio para a criança: porque elas têm o gosto doce da esperança no futuro.

Depois de quase dez anos trabalhando com turmas regulares no Rio de Janeiro, a professora Elizabeth Leitão passou por uma experiência que mudou o curso de sua carreira no magistério. Foi quando, em 1985, acompanhou por duas semanas o marido hospitalizado. “Descobri como é ruim ficar doente longe da família, e o quanto é importante romper com esse tipo de solidão. Na ocasião, uma amiga me apresentou às classes hospitalares e fiz minha opção pelo Hospital Municipal Jesus.

Miriam Gerbis Lopes atua como coordenadora das Classes Hospitalares no Instituto Helena Antipoff (IHA). Ela explica que, apesar da demanda de profissionais, o instituto realiza uma entrevista individual com os candidatos, na qual são explicadas, pormenorizadamente, as peculiaridades do dia a dia, como os cuidados para desinfecção dos materiais didáticos, por exemplo. Para Miriam, o principal é que o desejo parta, como no caso de Elizabeth, de uma iniciativa própria. “Eu mesma atuei por alguns anos em classe hospitalar e percebi que as pessoas não entendiam o que é. Pensavam que fosse um tipo de voluntariado, quando o que existe, na verdade, é um trabalho sério e sistemático. Nem todo mundo consegue trabalhar dentro de um hospital sem se deixar abater.” Os alunos precisam de incentivo frequente para lidar melhor com obstáculos desconhecidos, como dificuldade de locomoção, horários certos para tomar remédio, restrições alimentares, procedimentos invasivos e indisposição. Por isso mesmo, o professor se esmera ainda mais ao trabalhar fora da escola e dentro do hospital.

reloadComo o tempo de permanência de cada paciente varia, em geral as atividades da classe hospitalar se iniciam e terminam no mesmo dia. O grupo também pode receber um novo membro a qualquer momento. Sempre que a infraestrutura permitir, e como em qualquer escola, o uso de computadores e da internet é recomendável, inclusive com o suporte de jogos, que agradam tanto às crianças e tornam o aprendizado lúdico e desafiador, em contraponto à fragilidade emocional do momento. Hospitalização não é motivo para interromper o vínculo com a escola.

De acordo com Miriam Lopes, toda classe hospitalar se vincula a uma escola de referência da Rede Municipal, para que não fique à parte do calendário escolar, por exemplo. Atualmente, existem dez classes hospitalares no município do Rio de Janeiro: três na 1ª CRE (Hospital dos Servidores, Instituto Nacional do Câncer e Hemorio); três na 2ª CRE (Hospital Municipal Jesus, Instituto Fernandes Figueira e Casa Ronald McDonald); um na 3ª CRE (Hospital Naval Marcílio Dias); um na 4ª CRE (Hospital Federal de Bonsucesso); um na 7ª CRE (Hospital Federal Cardoso Fontes); e um na 11ª CRE (Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, no Hospital do Fundão). Em média, são atendidos na cidade cerca de 335 alunos por mês.

Os professores das classes hospitalares utilizam os Cadernos Pedagógicos distribuídos pela Rede e se reúnem no IHA pelo menos quatro vezes por ano, para avaliação de estratégias. Miriam ressalta que, muitas vezes, é necessário lidar com um público diversificado, que vai desde crianças acidentadas até pacientes com enfermidades crônicas, passando por aqueles que sofrem de doenças graves ou de múltiplas deficiências. “Semanalmente, no quinto dia de trabalho, o professor de classe hospitalar se dedica exclusivamente a organizar seu material e conversar com o coordenador pedagógico da escola de referência. O acompanhamento dos alunos é feito caso a caso. Nem sempre dá para haver coincidência com as datas de provas da classe regular em que o paciente está matriculado. Às vezes, a prova precisa ser adaptada.” Além disso, apenas 50% das crianças atendidas são oriundas da Rede Municipal de Ensino: os outros 50% vêm de escolas estaduais, federais e particulares.

Atendimento certificado

O Hospital Municipal Jesus é referência e, graças a ele, o município do Rio de Janeiro foi pioneiro neste tipo de atendimento em todo o Brasil. A primeira classe hospitalar começou a funcionar em Vila Isabel, no dia 14 de agosto de 1950. No entanto, a legislação brasileira só passou a reconhecer a classe hospitalar oficialmente há 20 anos, quando foi publicada a Política Nacional de Educação Especial. Em junho de 2014, tanto cuidado com a educação das crianças internadas foi recompensado: uma Portaria Interministerial, celebrada entre os ministérios da Saúde e da Educação, concedeu ao Hospital Municipal Jesus a Certificação de Hospital de Ensino. Por enquanto, ele é o único do estado do Rio de Janeiro, sendo que existem apenas outros dez em todo o Brasil. O selo de qualidade reconhece a instituição como adequada para o desenvolvimento de boas práticas assistenciais e educativas, além de ch jogosgarantir recursos ministeriais para ações de melhoria em diversas áreas do hospital.

No Hospital Jesus, a parte da manhã se destina ao atendimento dos pacientes no leito, enquanto, à tarde, quem pode sair da enfermaria vai à sala de aula. Atualmente, são quatro os profissionais de ensino à disposição do hospital, o que faz com que o atendimento seja prestado apenas a partir dos 3 anos. Nas palavras de Elizabeth, a reação da maioria surpreende, em especial a dos pais. “A gente imagina que as crianças não vão gostar, mas acontece o inverso: elas ficam muito felizes.” A professora acredita que, quanto mais informação circular sobre as classes hospitalares, mais se pode contribuir para o estreitamento das relações entre educadores, equipe médica e família, o que colabora para fortalecer políticas específicas. Segundo a veterana, atuar nessa área requer um perfil diferenciado, que implica uma disponibilidade e uma abertura ainda maiores para o aluno.

“Gratifica muito essa oportunidade de fazer um trabalho tão humanizado, poder acompanhar o despertar do potencial da criança, tanto em termos de perspectiva de futuro quanto em relação aos deveres.” Se por acaso Elizabeth reencontra o aluno que volta ao hospital para uma nova internação, o contato é sempre positivo: geralmente, ele conta sobre os progressos que anda fazendo e faz questão de dizer o ano que já está frequentando. O desejo de se superar é uma marca do ambiente escolar em situação de internação, para o qual não faltam exemplos. Houve um menino que sofreu umas 20 cirurgias, mas, ainda assim, se formou em Computação Gráfica e já participou de vários eventos conosco. As adversidades que o destino nos impõe devem ser transformadas em novos caminhos, e essa visão serve não apenas para as crianças e suas famílias, mas também para nós, profissionais de saúde e de educação.”

 
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