As mudanças mais significativas pelas quais passamos na vida são o nascimento, a entrada na vida adulta, o casamento e a morte. Esses acontecimentos fundamentais demandam, da mesma forma, ser culturalmente representados nos chamados ritos de passagem, estudados especialmente pelos autores franceses. O primeiro pesquisador a se ocupar do tema, ainda no início do século XX, foi Van Gennep, que em 1906 publicou o clássico Os Ritos de Passagem. Neste livro, ele dividiu os ritos de passagem em três grandes grupos: ritos de separação, como a festa de formatura ou um sepultamento; ritos de margem, como o período da gravidez ou o do noivado; e os ritos de agregação, como batismo, casamento, primeiro dia de aula na escola ou na universidade.
Considerado um dos mais importantes pensadores contemporâneos, Lévi-Strauss concluiu que a estrutura psíquica e linguística dos grupos humanos, vivendo em diversas épocas e lugares, seria idêntica: todos pensam da mesma forma, mas sobre coisas diferentes. Os rituais – sejam eles festivos, militares ou religiosos – têm como marca comum a repetição e oferecem uma sensação de segurança, não apenas por sua familiaridade, mas porque promovem um sentimento de coesão social. Eles demonstram a ordem e a promessa de continuidade desses grupos. Individualmente, a necessidade de se reinventar também é cíclica.
Em Os Ritos Profanos, Claude Rivière analisa os ritos de passagem embutidos no cotidiano, dos quais muitas vezes não nos damos conta. Como os ritos escolares, subdivididos em ritos de chegada (cumprimento da professora e despedida dos pais), ritos de ordem (horários sinalizados por avisos sonoros, filas e a organização por turmas), ritos de atividades (ir ao quadro-negro, a hora do recreio e falar em público). A própria alfabetização pode ser considerada, também, como um rito de passagem, por atribuir uma nova identidade à criança e, com ela, novos papéis a serem desempenhados no coletivo.
Adolescência é fase mais crítica
Enquanto passa pelo processo de se distanciar dos laços familiares, o adolescente sofre um conflito interior. É como se ele sentisse que seu antagonista é toda a sociedade. Alguns apresentam transtornos de conduta, sempre buscando realizar alguma proeza e, geralmente, sem noção de perigo. Rivière aponta para uma desritualização do presente, devido à perda de práticas religiosas e ao declínio das crenças em curso, diante do que especialmente os jovens constroem seus próprios ritos de iniciação, em geral por meio de um comportamento antissocial.
À semelhança de Lévi-Strauss, o pesquisador norte-americano Joseph Campbell, especializado em mitos, também identificou padrões que se repetem em diversos agrupamentos humanos que jamais tiveram contato entre si. Na opinião de Campbell, existem processos psicológicos comuns da nossa espécie que só podem ser processados por meio de narrativas. Daí a grande importância da apropriação das técnicas de contação de histórias por parte do sujeito social – seja na tradição oral das sociedades sem código escrito, seja nas produções audiovisuais e eletrônicas do meio urbano, em que a escola desempenha papel fundamental nesse processo de instrumentalização. A premissa do poder narrativo como algo que move a humanidade também tem seus desdobramentos na produção midiática. George Lucas, por exemplo, afirma ter tomado como base a obra de Campbell para escrever a saga Star Wars.
A transição para a vida adulta no Brasil
De acordo com pesquisa realizada por Carlos Antonio Costa Ribeiro, doutor em Sociologia, a instabilidade econômica e a desigualdade levam jovens de classes sociais distintas a fazer transições para a vida adulta em momentos diferentes do ciclo de vida. Aqueles com condição mais elevada têm chances de ficar mais tempo na casa dos pais, estudando, solteiros e sem filhos. No entanto, avanços nas políticas públicas vêm afetando esse cenário, e, entre eles, o mais poderoso foi o acesso à escola.
Ribeiro afirma que, nos últimos 35 anos, avanços institucionais ajudaram enormemente a diminuir desigualdades nos padrões de transição, especialmente a partir de meados da década de 1990, quando o número de vagas nas escolas aumentou de modo significativo. Essa mudança teve efeito nos padrões de entrada na vida adulta, na medida em que diminuiu consideravelmente as diferenças de classe e gênero nas transições da vida produtiva (trabalho e escolaridade) e reprodutiva (domicílio, casamento e maternidade). Os padrões de transição dos jovens com origem socioeconômica baixa passaram a ser mais parecidos com os dos jovens de classes mais altas, e o principal fator determinante dessa equalização foi a expansão do sistema educacional.
Para o período analisado (1996-2008), a saída da casa dos pais passou a ocorrer em idades mais avançadas, padrão que varia um pouco de acordo com a família de origem (ocupação e, principalmente, educação dos pais), mas também entre regiões urbanas e rurais, e entre o Sudeste e o Nordeste. Foram considerados a entrada no mercado de trabalho, a constituição do primeiro domicílio autônomo (independente dos pais), o primeiro casamento e nascimento do primeiro filho, para mulheres.
O autor ressalta que o Ensino Médio ainda é opcional no Brasil – a expectativa da legislação é de que o jovem permaneça no sistema educacional até completar 14 anos, que é também a idade legal para iniciar atividades como aprendiz. Como acontece em outros países da América Latina, o diploma universitário no Brasil tem um valor muito alto no mercado de trabalho, dando bastante retorno em termos de renda e status social. No entanto, Ribeiro aponta que, nos últimos anos, esse valor tem diminuído, na medida em que os diplomas se tornaram menos escassos, no fenômeno chamado “inflação de credenciais”.
A família costuma ser pensada quase como uma segunda natureza, que se modifica muito ao longo do tempo e das sociedades. As mulheres, que antes se dedicavam apenas à vida do lar, cada vez mais se tornam chefes de domicílio, principalmente por causa das taxas crescentes de divórcio – que não deixa de ser, também, um rito de passagem. Em 1996, 20% dos domicílios eram compostos por apenas uma mulher adulta e nenhum homem. Em 2008, esse percentual subiu para 35%. A tendência é que essa taxa continue aumentando.
Fontes:
BORGES, Paulo Rogério. O declínio dos ritos de passagem e suas consequências para os jovens nas sociedades contemporâneas. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2013.
RIBEIRO, Carlos Antonio Costa. Desigualdades nas transições para a vida adulta no Brasil (1996 e 2008). Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 4, p. 433-473, out. 2014.
RODOLPHO, Adriane Luisa. Rituais, ritos de passagem e de iniciação: uma revisão da bibliografia antropológica. Estudos Teológicos, v. 44, n. 2, p. 138-146, 2004.