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Tradições juninas: festas, fogueiras, quitutes, quadrilhas e Bumba-meu-boi
30 Junho 2021 | Por Márcia Pimentel
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Foto: Eduardo Coutinho. Wikicommons

As aglomerações continuam proibidas no Rio de Janeiro, por causa da pandemia de Covid-19, mas vale rememorar que junho é o mês de uma das celebrações mais antigas da história da humanidade. Sim, estamos falando das festas juninas, que, no decorrer dos milhares de anos, viraram tradição cultural em diversos países, ainda que fossem ganhando diferentes formatos e costumes mundo afora e Brasil adentro.

Os festejos têm origem no período Neolítico, momento em que vários grupos humanos passaram a dominar a agricultura e a se fixar em territórios. Para plantar e colher os vegetais na melhor época do ano, faziam a observação do céu. Com isso, aprenderam a reconhecer vários eventos astronômicos, entre eles o solstício de verão, dia do ano de maior incidência da luz solar, que marca o início da estação de calor e de dias mais longos que as noites.

No hemisfério Norte, o solstício de verão acontece em 21 (ou 22) de junho. Nesse dia, os camponeses acendiam fogueiras para afastar os maus espíritos e os demônios da esterilidade. Ao redor delas, também celebravam a chegada da nova estação com cantos, danças, bebidas e comidas. Em muitos lugares, ainda havia o costume de passar descalço sobre as brasas da fogueira para garantir a saúde.

O solstício de verão marcava o início da colheita dos cereais e costumava ser associado à fartura e à fertilidade feminina – da terra e das mulheres. Por isso, era tido como o melhor momento para contrair matrimônio, pois era quase uma garantia de que ele renderia frutos bons e saudáveis.

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Véspera de São João em Freiburg im Bresgau, na Alemanha. Foto: Ralf Johann. Wikicommons

Sincretismo pagão-cristão

No século IV d.C., a Igreja Católica elaborou um calendário eclesiástico, com datas fixas, para que os mais memoráveis eventos ligados a Cristo, como a Páscoa, por exemplo, fossem relembrados a cada ano. Aos poucos, também foram inserindo datas relacionadas aos apóstolos e aos santos.

Paralelamente ao calendário cristão, aconteciam as celebrações pagãs, como a do solstício de verão (entre outras). Essas festas haviam se tornado tão populares e enraizadas na cultura dos povos não havia como o cristianismo extingui-las. A Igreja, então, adotou a estratégia de absorver essas antigas tradições, adaptando-as ao seu calendário por meio do ajuste de datas e do sincretismo entre os símbolos pagãos e cristãos.

Juno, João e Antônio

Em todo o Império Romano, as celebrações de solsticio de verão eram dedicadas a Juno, deusa da fertilidade e do matrimônio, esposa de Júpiter. Foi em homenagem a ela que o mês foi batizado de junho. No período das festas, chamadas de junônias, vários casamentos eram celebrados. Também consultava-se o oráculo para saber sobre questões matrimoniais como, por exemplo, se a pretendente iria se casar.

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Estátua romana de Juno exposta no Museo Pio-Clementino. Foto: Claudius Ziehr. Wikicommons

Para a Igreja Católica, as celebrações pagãs não condiziam com as convicções cristãs, a começar pelo fato de se acreditar em um único e onipresente Deus e não em um panteão de deuses que nada tinham a ver com os acontecimentos bíblicos. Mas a tradição das festas de solstício (e outras mais) faziam parte de costumes milenares e eram difíceis de serem apagados.

A Igreja introduziu, então, em seu calendário litúrgico, a festa de São João Batista, nascido em 24 de junho e cujo nascimento, conforme combinado com Maria, foi anunciado por sua mãe Isabel com uma grande fogueira que podia ser vista ao longe. Como já foi dito, as fogueiras cumpriam papel importante nos rituais de solstício de verão.

Segundo artigo do filósofo Benedito Prezia, não se consegue entender a figura do São João das festas juninas, fazendo mera analogia com o austero e rígido João Batista dos evangelhos. Deve-se, sim, procurar um personagem popular, que gosta de comer, beber e dançar, que incorpora os traços amáveis e dionisíacos das comemorações pagãs.

Com o tempo, várias questões matrimoniais e casamenteiras foram repassadas para Santo Antônio, que nasceu em Lisboa e morreu em 13 de junho de 1231, em Pádua, na Itália. Várias simpatias, contudo, continuaram a ser feitas sobre a fogueira.

Indígenas, quitutes e Pedro

Com o início da colonização, os jesuítas trouxeram o calendário litúrgico católico para o Brasil. Quando os portugueses aqui chegaram, vários povos indígenas faziam festas no período, inclusive com fogueiras, tendo ocorrido uma união dos costumes nativos com o caráter religioso das celebrações do mês de junho.

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A maioria dos pratos típicos tradicionais das festas juninas tem tradição indígena. Foto: Melsj. Wikicommons

Exemplo disso era a tradicional festa do milho realizada pelos indígenas, que reunia a comunidade e os parentes das aldeias vizinhas em uma comemoração que podia durar vários dias. Segundo Benedito Prezia, várias comidas típicas de nossas festas juninas são oriundas da culinária nativa, tais como a canjica (do guarani: kangy = mole + kaa = planta), o curau (kure = ralado + u = comida), a pamonha (pomonga = pegajoso)... "No Nordeste, com a influência africana, a canjica passou a ser chamada de munguzá, termo de língua banto", explica o filósofo.

Além do milho, as festas juninas brasileiras são regadas a outros alimentos de origem indígena, como a batata-doce, a mandioca, o amendoim. No Sul, ainda é agregado o pinhão, alimento básico de vários povos guarani. Até mesmo o quentão teria inspiração no cauim dos tupinambá, bebiba fermentada à base de mandioca (ou milho) servida quente.

Benedito Prezia também lembra do sincretismo entre Tupã e São Pedro, tendo este último herdado características do primeiro, como o controle das chuvas e dos trovões.

Trajes e quadrilhas

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Festa Junina do Pelô, em Salvador. Foto: Governo da Bahia, cc

Com o processo de urbanização do país, as festas juninas, de tradição rural, foram levadas para as cidades repletas de estereótipos do caipira, em especial na região Sudeste. Os clichês se refletem na caracterização das personagens – dos dentes cariados às roupas remendadas de tecido barato, da pintura exgerada dos rostos femininos à representação jocosa do casamento.

Esse viés jocoso não foi, contudo, incorporado no Nordeste. Lá, as roupas, embora típicas do festejo, ganharam ares cada vez mais elaborados e luxuosos, que surtem grande efeito visual durante a dança da quadrilha. Esta, aliás, é uma herança dos bailes realizados pela corte imperial do Rio de Janeiro. A dança junina manteve, inclusive, várias palavras francesas, marcadoras da coreografia, a exemplo de en avant tous e en arrière.

Camarão e Bumba-meu-boi

As festas juninas, no Maranhão, têm um formato todo específico. Para começar, a maioria das comidas típicas são feitas à base de camarão, crustáceo fartíssimo nos rios e mares do estado. A comida mais comum nas barraquinhas de quitutes de lá é o arroz de cuxá, uma mistura que leva, além de arroz e camarão seco, gergelim e uma planta chamada vinagreira.

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Foto: Nael Reis. Governo do Maranhão, cc

Diferentemente do resto do Nordeste, a grande estrela das festas juninas maranhenses não é a quadrilha, mas o bumba-meu-boi, surgido no ciclo econômico do gado, no século XVII. O folguedo conta a história do boi predileto de um rico fazendeiro, ressuscitado por um pajé, após ter tido sua língua arrancada pelo vaqueiro (que dele tomava conta) porque sua esposa, grávida, estava com um desejo intenso de comê-la.

O folguedo é marcado pelas datas dos santos juninos. Os ensaios, que se iniciam em maio, acontecem até 13 de junho, dia de Santo Antônio. A apresentação só ocorre na véspera de São João, dia 23, após o batizado do boi, quando tem início uma grande festa sem hora para acabar. No dia 28, véspera de São Pedro, outro arrasta-pé e, para terminar, no dia de São Marçal, 30, todos se reúnem para a última comemoração.

 
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