As unidades de ensino que têm um pé no samba, ou querem colocá-lo, podem começar a esquentar seus pandeiros, porque foi dado o pontapé inicial do projeto Escola de Bamba para o Carnaval 2019! O evento de abertura, que marca o início dos trabalhos com os professores e alunos da Rede Municipal, aconteceu em 15 de agosto, no Museu de Arte do Rio (MAR), e contou com a presença de diretores, coordenadores pedagógicos e docentes interessados no projeto, que culmina com o desfile da escola de samba Corações Unidos do Ciep, na Marquês de Sapucaí.
Uma das diretoras presentes, Célia Clemente, do Ciep Gilberto Freyre, em Senador Camará, é uma das maiores entusiastas do Escola de Bamba. A partir dele, tem conseguido desenvolver ricos processos pedagógicos, de descoberta de talentos, de inserção social e de aumento da autoestima entre as crianças que participam. Ela abraçou o projeto em 2007, quando ainda era diretora adjunta e, hoje, já tem até ex-aluno buscando a profissionalização no carnaval.
Jackson Moreira Ribeiro, que se prepara para o Enem, é um deles. “Minha participação, no Ciep Gilberto Freyre, foi muito importante por ter sido o meu primeiro contato com o mundo do samba”, afirma. Desde o ano passado, transformou-se no primeiro mestre-sala da Estrelinha da Mocidade e batalha para se profissionalizar na Mocidade Independente de Padre Miguel. E ele tem razões para crer que isso é possível. Afinal, a famosa porta-bandeira Selminha Sorriso, da Beija-Flor de Nilópolis, é oriunda da Corações Unidos do Ciep.
Janelas profissionalizantes
Um dos objetivos do Escola de Bamba é fornecer às unidades de ensino subsídios sobre o amplo leque de conhecimentos necessários à montagem do espetáculo de Carnaval. Por isso, oferece aos educadores oficinas relacionadas às artes e ofícios essenciais ao funcionamento de uma escola de samba, tais como cenário, figurino, coreografia, composição musical, entre outros.
Foi esse viés do Escola de Bamba que fez Célia Clemente se interessar pelo projeto, lá em 2007: “Como a clientela do Ciep é oriunda de comunidades, percebi que poderia ser interessante abrir janelas de profissões não convencionais aos alunos, a fim de ampliar os horizontes deles. Até porque sempre temos crianças que desenham bem, têm vocação para a música, para a dança...”.
Pedagogia, aprendizagem e leitura
Um bom exemplo das possibilidades profissionais que se abrem vem da Oficina de Alegoria, Fantasia e Adereços. Além dos alunos terem que construir um projeto a partir de estudos sobre o enredo, aprendem a desenhar o corpo humano e a fazer o esboço da fantasia a partir dele, de suas proporções. “As crianças ficam muito encantadas e empolgadas com todo o processo. Uma delas até diz que quer ser estilista quando crescer”, comenta a professora Alessandra Carvalho. “Mais maravilhadas ainda elas ficam quando pegam o ônibus da Prefeitura rumo à Marquês de Sapucaí e têm a chance de conhecer um mundo que vai além de Senador Camará”, oberva a diretora Célia Clemente.
A transformação da teoria em prática não ocorre apenas com a Oficina de Alegoria, Fantasia e Adereços, mas também com as demais, a exemplo da Oficina de Composição de Samba-Enredo. A coordenadora pedagógica Alexandra Batista Machado afirma que, no Ciep Gilberto Freyre, o projeto Escola de Bamba é articulado com atividades da Sala de Leitura.
Além de toda a pesquisa para a compreensão do enredo, vários outros conteúdos são trabalhados. Para construir o samba, por exemplo, os alunos entram em contato com diversos tipos de texto. “Se o enredo for uma homenagem a alguém, ensinamos o que é biografia e o que ela deve conter. Também aprendem sobre as estruturas dos versos e das estrofes, as possibilidades de métrica da poesia...”, explica.
Samba campeão
No ano passado, o samba-enredo criado pelos alunos do Ciep Gilberto Freyre se sagrou campeão, na final ocorrida na sede do Cordão da Bola Preta, em que disputaram as várias escolas municipais que integram a Corações Unidos do Ciep. A canção foi elaborada durante as Oficinas de Composição de Samba-Enredo, feitas sob a orientação do professor de Educação Musical, Lucas Torres, que conta como foi o processo:
“Participei de um seminário oferecido pelo projeto Escola de Bamba em que o compositor Lucas Donato, da Império Serrano, ensinou algumas técnicas. Também passei um bom tempo ouvindo e analisando sambas. A partir daí mostrei aos alunos como se fazia refrão e os estimulei a criar frases em rima. Lancei no quadro palavras relacionadas ao enredo (100 anos do Bola Preta) e pedi que sugerissem
Foi assim que surgiu quase toda a letra e o refrão do samba campeão: “Bola Preta, meu cordão/ Todos juntos, coração/ Sempre unidos por vencer/ Vem Ciep, é só querer”. No processo, alguns alunos se destacaram, como Maria Eduarda, atualmente no 5º ano, que gosta de fazer rap. É dela toda a estrofe que vem antes do refrão: “Lapa, Carioca, Cinelândia e Central/ Cordão da Bola Preta é o Rei do Carnaval/ Foi no Rio Antigo que tudo começou/ Cem anos de vida e é pra lá que vou”.
Ana Luísa Guimarães Tartaruga foi outro destaque da oficina comandada pelo professor Lucas Torres. Com uma voz poderosa, puxou o samba na Marquês de Sapucaí, acompanhada pelos colegas José Gabriel, João Victor, Marcos Vinicius e Alex Gonçalves.
Corrente comunitária
A ala das baianas da Corações Unidos do Ciep vem, há anos, sendo composta pelas alunas do Gilberto Freyre. Mas não é suficiente para agregar todos os interesses e vocações. Por isso, alguns também desfilam como passistas e outros se integram às diferentes alas, durante o desfile.
Para levar a criançada para a Marquês de Sapucaí, professores, funcionários e responsáveis se unem em empreitada. Gleice Villardo, mãe de aluno mais antiga envolvida no projeto, ajuda a apertar ou alargar fantasias, a organizar os calçados... e, claro, a ficar atenta para que ninguém se perca. “Meus filhos já não estudam mais aqui, mas continuam participando do projeto. A Letícia, por exemplo, tem saído como passista e diz que quer ser rainha de bateria”, conta.
A orientadora do Peja, Vanessa Costa, neta do compositor Gil das Flores, da Beija-Flor de Nilópolis, é uma das professoras responsáveis pela saída dos alunos do Ciep Gilberto Freyre para a Marquês de Sapucaí. Mesmo tendo nascido no mundo do samba, ela diz que aprendeu muito mais com o Escola de Bamba. “Foi aqui que entendi todo o mecanismo de construção de um enredo e compreendi, de fato, a complexidade do trabalho de colocar uma escola de samba na avenida. O projeto é muito bom."