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Rio quatrocentão
29 Setembro 2014 | Por Sandra Machado
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calcada reloadEm 1º de março de 1965, quando o Rio de Janeiro completou 400 anos, a população do município era de 3,5 milhões de pessoas e abraçou a proposta de uma comemoração descentralizada, cujo tema era Cidade em Transe. Com a chegada do Ano Novo, aviões da Força Aérea Brasileira jogaram uma chuva de papel picado, com o símbolo do evento, sobre vários pontos da cidade. À noite, o Papa Paulo VI acionou, do Vaticano, o comando para a nova iluminação do Cristo Redentor.

Um concurso realizado no Maracanãzinho, em 13 de fevereiro de 1965, elegeu a representante da região administrativa de Botafogo, Solange Dutra Novelli, de apenas 17 anos, Miss do IV Centenário. Seu primeiro evento oficial foi participar, na presença do governador Carlos Lacerda, da festa oficial realizada no mesmo estádio, em 1º de março, quando foi cortado um bolo e houve apresentações de circo e de um coral de 400 vozes.

Naquele carnaval, todas as escolas de samba desfilaram tendo o quarto centenário do Rio como enredo comum. Acadêmicos do Salgueiro foi a campeã, com História do Carnaval Carioca, de Geraldo Babão e Valdelino Rosa. No mesmo ano, Dona Ivone Lara estreava como a primeira mulher a escrever os versos de um samba-enredo – Os Cinco Bailes da História do Rio, para a Império Serrano, em parceria com Silas de Oliveira e Bacalhau. Mesmo passadas as folias do Rei Momo, as ruas continuaram enfeitadas. A Avenida Presidente Vargas, por exemplo, recebeu estandartes de 15 metros de altura, com reproduções de pinturas de Jean-Baptiste Debret que registravam a vida na cidade à época da vinda da família real portuguesa.

Em 21 de abril, quando se completavam cinco anos da criação do estado da Guanabara, aviões da FAB lançaram uma chuva de livrinhos, que caíam amarrados em minúsculos paraquedas de papel de seda: era a obra Aspectos da História do Rio de Janeiro, de Marcelo de Ipanema, então diretor da Divisão de Patrimônio Histórico e Artístico da Guanabara. Ao longo do ano inteiro, a imprensa lançou, ainda, uma infinidade de suplementos comemorativos do aniversário do Rio.

Vasto legado para a cidade

Em meados da década de 1960, diversas obras públicas foram realizadas, não apenas a partir dos recursos do Banco do Estado da Guanabara (BEG), mas também com o apoio do governo federal e até do governo norte-americano, por meio do programa Aliança para o Progresso – proposta original do presidente John Kennedy para o desenvolvimento da América Latina, extinta por outro presidente, Richard Nixon, em 1969. 

Houve muitas mudanças na configuração arquitetônica da cidade: a principal delas foi a criação do Aterro do Flamengo, com uma área de 1,2 milhão de metros quadrados. Além dessa importante via de integração entre a Zona Sul e o Centro, que vale como um oásis verde em meio à especulação imobiliária, foram inauguradas obras até hoje importantes para a cidade, como a Rodoviária Novo Rio, o Túnel Santa Bárbara, a Adutora do Guandu, a Esplanada do Castelo e nada menos do que 274 escolas. O investimento em uma nova malha viária incluiu o início da construção do Túnel Rebouças, do Trevo dos Marinheiros e da Avenida Radial Oeste, além do prolongamento da Avenida Maracanã.

O prédio do Grande Hotel da Lapa – que, em 1948, se transformara no Cinema Colonial – tornou-se a Sala Cecília Meireles, dedicada a concertos de música clássica. Já o Museu da Imagem e do Som foi instalado em um dos pavilhões construídos para abrigar a Exposição do Centenário da Independência do Brasil, realizada em 1922. Inaugurado em 3 de setembro de 1965, o MIS abriu as portas com uma exposição de fotos de Augusto Malta sobre o Rio antigo e disponibilizou, também, cabines nas quais o público podia ouvir músicas e discursos dos políticos da primeira metade do século XX.

Quanto aos monumentos, foi erguida a estátua do padroeiro na Praça do Russel, na Glória, no mesmo lugar onde se supõe que o fundador da cidade, Estácio de Sá, tenha sido atingido por uma flecha dos índios tamoios, causa de sua morte. Já a estátua de dom João VI, presente do governo português, desde 10 de junho de 1965 está colocada na Praça Quinze, voltada para o mar, assim como sua réplica, localizada na cidade do Porto, do outro lado do Atlântico.

Festa nas artes e nos esportes

Em meio aos festejos pelo quarto centenário, que se estenderam por todo o ano de 1965, foi decretado, no dia 27 de outubro, o Ato Institucional nº 2, que inviabilizava a existência da maioria dos partidos políticos e, na prática, instaurava o bipartidarismo, configurado na Aliança Renovadora Nacional (Arena) e no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partidos de apoio e de oposição ao regime militar, respectivamente. A eleição para presidente e para vice-presidente da República, bem como para o governo dos Estados, passava a ser indireta.

A crítica aberta à ditadura, no entanto, se fazia presente nas manifestações artísticas. No Teatro Opinião, o musical Opinião, de Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes e Armando Costa, expunha as mazelas sociais do país. A discussão gerou uma mostra, também chamada Opinião, no Museu de Arte Moderna, reunindo a produção de jovens expoentes das artes plásticas brasileiras.

FIF reloadMas os esforços para revelar o que de melhor havia para contar sobre a vida na cidade ultrapassaram as salas dos museus e os gabinetes das autoridades. A exposição Do Rio Antigo ao Novo Rio percorreu as 21 regiões administrativas que existiam na época. Durante 15 dias em cada sede, trazia a público não apenas painéis ilustrativos da memória da cidade, mas também um acervo cedido pelos próprios cariocas, para contar uma versão extraoficial da história. No Museu Nacional de Belas Artes, telas e gravuras compuseram uma exposição batizada de O Rio Antigo. Enquanto isso, alguns metros à frente, na mesma Avenida Rio Branco, a Biblioteca Nacional foi mais ousada e organizou a exposição O Rio na Caricatura.

Em termos musicais, a prefeitura providenciou o lançamento do LP Rio-Show, com os maiores sucessos da MPB, enquanto estreava, no Golden Room do Copacabana Palace, o musical Rio de 400 Janeiros, de Carlos Machado. No Theatro Municipal, foi apresentado O Martírio de São Sebastião, da autoria de D’Annunzio e Debussy, e executada, pela primeira vez, uma importante obra da música orquestral brasileira: o Concerto Carioca nº 1, de Radamés Gnattali.

Em setembro de 1965, acontecia o Festival Internacional do Filme do Rio de Janeiro (FIF), que projetou, definitivamente, a cidade como uma das metrópoles culturais da contemporaneidade. Com logomarca de Ziraldo e o prêmio Gaivota de Ouro, reuniu no júri grandes nomes do cinema, como os cineastas Fritz Lang, Vincent Minelli e Nelson Pereira dos Santos.

Em meio às festas, houve incontáveis eventos esportivos: campeonato mundial de judô, campeonato mundial de vela, torneio de basquete, páreo no Jockey Club e até um Grande Prêmio IV Centenário, com corrida de automóveis pelas ruas da Barra da Tijuca – ainda bastante desabitada – em 19 de setembro de 1965. Obviamente não podia faltar o futebol, em amistosos disputados no Maracanã, em duas fases – uma em janeiro e outra em julho. Da primeira participaram Vasco da Gama (campeão), Flamengo (vice), Atlético de Madrid e a seleção da Alemanha Oriental. Da segunda, o Palmeiras (campeão), Peñarol (vice), Fluminense e a seleção do Paraguai.

A logomarca dos 400 anos

bandeira reloadA preparação para a festa do 400º aniversário do Rio de Janeiro começou já em janeiro de 1963, quando foram criados dois órgãos responsáveis pela organização dos festejos: a Superintendência do IV Centenário e a Secretaria Municipal de Turismo, que abriram um concurso público para a escolha do símbolo a ser adotado. A logomarca criada por Aloísio Magalhães passou a ser vista por toda parte. Até hoje, permanece nos desenhos formados em pedra portuguesa na calçada da Rua da Estrela, no Rio Comprido, em frente ao Hospital do Amparo Feminino. Pioneiro do design gráfico moderno no país, Aloísio Magalhães concebeu um desenho formado a partir do número quatro rotacionado, que definiu como "síntese grá?ca do entusiasmo e do orgulho dos cariocas".

Diversas construções foram batizadas em homenagem aos 400 anos: o Hospital Quarto Centenário, em Santa Teresa, o Condomínio Residencial Conjunto IV Centenário, em Del Castilho, e até o Chafariz IV Centenário, mais conhecido como o chafariz da Praça Edmundo Bittencourt, no bairro Peixoto. E, também, a Escola Municipal IV Centenário, em Bonsucesso. 

 

Referência bibliográfica:
TURAZZI, Maria Ignez; MESQUITA, Claudia; LEITE, João de Souza. Rio 400 + 50 – Comemorações e percursos de uma cidade. Rio de Janeiro: Editora de Janeiro, 2014.

 
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