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Povos indígenas das Américas, ontem e hoje
07 Agosto 2020 | Por Márcia Pimentel
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Ind maias interno
Jovens maias da Guatemala. Eric Waltr, Wikimedia commons

Quando os colonizadores europeus chegaram às Américas, o continente era habitado por cerca de 57,3 milhões de indígenas, segundo estimativas do geógrafo norte-americano William M. Denevan. Mais de 500 anos depois, a população total do continente saltou para um número próximo a um bilhão de habitantes, entre os quais, apenas 45 milhões de indígenas, conforme revela o último levantamento populacional da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), feito em 2014.

Na época desse levantamento, a Cepal comemorou os avanços que vinham ocorrendo desde o início do atual milênio, em relação à proteção dos povos indígenas e ao reconhecimento de seus direitos territoriais. Mas, nos últimos anos, o otimismo recrudesceu. O Brasil faz parte das principais preocupações, diante das constantes notícias de aumento do desmatamento da Floresta Amazônica e do avanço de garimpeiros e fazendeiros sobre os territórios indígenas. Relatório de 2019 da mesma instituição ainda constata que o contingente indígena das Américas não apenas está entre as populações mais pobres do continente, mas também que sua pobreza é 26% maior que a dos não indígenas.

Genocídio: o fator epidemiológico

Ind asteca
Guerreiro asteca, século XVI. Códice Florentino, Wikimedia commons

Com a pandemia da Covid-19, o alerta vermelho voltou a acender na Cepal. Até porque a disseminação de doenças contagiosas foi uma das maiores responsáveis pelo genocídio dos indígenas americanos, tido como o maior de toda a história da humanidade. Em 2017, pesquisadores alemães, por meio de dissecação de múmias, descobriram que a epidemia de ‘cocoliztli’ (‘peste’ na língua náuatle), que entre 1545 e 1550 dizimou 80% dos astecas (cerca de 15 milhões), era na verdade a febre tifoide trazida da Europa pelos espanhóis.

Entre outros exemplos possíveis de propagação de doenças contagiosas entre os povos indígenas, está o caso de Antônio Salema, governador-geral da porção Sul do Brasil entre 1575 e 1578. Segundo vários historiadores, ele exterminou os Tamoios que habitavam a região do entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas espalhando, no local, pertences de doentes contaminados pela varíola. O fato é que, seja por causa das epidemias ou dos enfrentamentos bélicos, a estimativa mais aceita pelos pesquisadores é que, cerca de 130 anos após a chegada dos colonizadores, a população dos povos originários das Américas havia diminuído em 90%, sendo que, no Caribe, quase foi exterminada em menos de meio século.

Em meados de 2020, os povos originários das Américas estão enfrentando um número crescente de casos de Covid-19, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), um terço dos indígenas brasileiros costumam morrer de doenças respiratórias, de forma que a preocupação com a pandemia é grande.  A Opas solicitou que as autoridades dos diversos países redobrassem os esforços para impedir a propagação da doença nas comunidades e garantissem o acesso delas aos serviços de saúde.

Apesar disso, contingente expressivo de indígenas do continente continua tendo problemas para enfrentar a doença, como a falta de informações, a escassez de medicamentos, de alimentos e de material de higiene, além das dificuldades de deslocamento para levar, rapidamente, um doente até o hospital mais próximo. Na América Hispânica, as informações para combate à pandemia têm sido dadas em língua espanhola, a despeito de milhares de comunidades indígenas que não falam castelhano. Só no Peru, quatro milhões de habitantes se encaixam neste quadro, agravado por causa da situação dos rios da Amazônia peruana que, há décadas, estão tingidos de petróleo, dificultando o acesso dos nativos à água potável.

A questão territorial

Ind colombo
Chegada de Cristóvão Colombo à América. Gravura de Theodor de Bry, Wikimedia commons

Segundo a Cepal, os colonizadores europeus se valeram do conceito de terra nullius – quando os territórios não eram povoados ou pertenciam aos chamados povos bárbaros – para se apropriarem do continente americano. Aqui no Brasil, a Coroa portuguesa adotou o sistema de capitanias hereditárias e de concessão de sesmarias para a distribuição das terras. Os territórios que não foram doados ou não ingressaram no domínio privado por título legítimo chamavam-se ‘terras devolutas’ e, com a independência, passaram a integrar o domínio imobiliário do Estado brasileiro.

A desapropriação dos territórios indígenas se aprofundou com os processos de independência das colônias europeias nas Américas. Ainda conforme a Cepal, no fim do século XIX, a doutrina de terra nullius passou a ser justificada pela necessidade da geopolítica e da expansão das fronteiras agrícolas e pecuárias, com campanhas militares que continuaram dizimando os povos indígenas do continente. Em meados do século XX, com os processos de colonização na Amazônia e outras zonas periféricas da região, iniciou-se mais um ciclo de desterritorialização dos povos indígenas.

Diante do aprofundamento dos conflitos, uma Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1989, estabeleceu, entre outras coisas, o direito dos indígenas sobre a posse das terras que tradicionalmente ocupam ou ocupavam para a realização de suas atividades de subsistência. Houve avanços no reconhecimento desses territórios, em todo o continente, muito embora os confrontos não tenham cessado em várias regiões, principalmente aquelas onde há interesses relacionados à extração mineral e à expansão das fronteiras agrícolas.

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Xamã guarani. Roosewelt Pinheiro, Agência Brasil, creative commons

No Brasil atual, garimpeiros e fazendeiros têm avançado sobre alguns territórios indígenas já reconhecidos e demarcados. A disputa sobre a posse das terras ainda é, muitas vezes, perpassada pelo conceito de terras devolutas. No caso dos guaranis que vivem próximos à fronteira com o Paraguai, no Mato Grosso do Sul, fazendeiros afirmam que tal conceito foi utilizado em lei do final do século XIX, que concedeu o direito à empresa Matte Laranjeiras de explorar as terras da região, de forma que, desde aquela época, os territórios reivindicados pelos indígenas não pertenciam mais a eles.

Demografia

Segundo a Cepal, baseada em dados censitários dos países, o México possui a maior população indígena das Américas (cerca de 17 milhões), seguido do Peru (7 milhões), da Bolívia (6,2 milhões) e da Guatemala (5,9 milhões). Mas quando se fala de números relativos, a posição não é a mesma. Na Bolívia, eles representam 62,2% do total de habitantes, na Guatemala 41%, no Peru 24% e no México 15%. A maioria dos indígenas que moram nesses países são oriundos das civilizações pré-colombianas tidas como as mais avançadas do continente: inca, maia e asteca.

No caso do Peru e da Bolívia, as etnias mais numerosas são as dos indígenas quéchuas (incas) – também encontrados nos Andes do Equador, Chile e Argentina – e aimarás, civilização que, no início da colonização espanhola estava subjugada pelos incas, mas que tinha enorme habilidade de sobreviver no clima andino e mantinha estoques de comida por meio de técnicas de irrigação, de congelamento e de desidratação dos alimentos, segundo o antropólogo Darcy Ribeiro.  Os quéchuas, ainda de acordo com Ribeiro, haviam desenvolvido conhecimentos de astronomia e matemática, técnicas de construção, de engenharia hidráulica, agricultura irrigada e metalurgia. No Peru e na Bolívia, também há indígenas amazônicos e, no caso específico da Bolívia, ainda há comunidades de origem guarani, também existentes no Paraguai, Uruguai, Argentina e Brasil.

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Mulheres aimarás, Bolívia. Micah Mac Allen, Wikimedia commons

No México, há mais de 60 etnias. Os nauátles, de origem asteca, compõem o grupo mais numeroso, seguido pelos maias, zapotecas, mixtecas, otomis, totonaclas... Embora cerca de 80% dos astecas tivessem desaparecido nos primeiros 150 anos de colonização, algumas elites da civilização continuaram a manter o status, como é o caso de um membro da dinastia Moctezuma, que se casou com uma representante da aristocracia espanhola. Além de ter ganhado o título de Conde, foi vice-rei do México de 1696 a 1701. A ele sucederam vários outros Condes de Moctezuma, sendo que o 14º teve seu título elevado para duque.

No período pré-colombiano, os maias, maioria absoluta dos indígenas da Guatemala, formavam a civilização originária que mais dominava a escrita em toda a América. Escreviam, inclusive, livros feitos com tecido recoberto por uma película de cal branca sobre a qual pintavam caracteres e desenhavam ilustrações. Os maias também se destacavam por seus conhecimentos arquitetônicos e matemáticos. Criaram, inclusive um calendário por meio da observação dos movimentos da Lua e dos planetas. Os maias também são conhecidos por sua resistência à subjugação aos colonizadores.

Na segunda metade do século XX, milhares de indígenas maias (pelo menos 150 mil, de acordo com a ONU) foram mortos na Guatemala, durante a guerra civil do país. Os assassinatos se perpetuaram nos governos ditatoriais que se sucederam. Em 2013, o ex-presidente guatemalteco Efraín Ríos Montt foi, inclusive, condenado a 80 anos de prisão por genocídio e crime contra a humanidade.

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Mãe e filho guajajara, Maranhão. Antonio Cruz, Agência Brasil, creative commons

O Brasil é o segundo país das Américas com o menor percentual de indígenas na composição de sua população. Eles representam apenas 0,5%, (cerca de 900 mil em números absolutos) do total de habitantes, só ficando à frente de El Salvador, onde eles representam apenas 0,2%. Segundo a Cepal, o Brasil é um dos países com os maiores índices de suicídio entre indígenas. No Amazonas, por exemplo, eles representam 20,9% do total no estado, embora representem apenas 4,9% de sua população. Os índices, no Brasil e nos demais países que têm alta taxa de suicídio de indígenas – Argentina, Colômbia, Chile, Nicarágua e Venezuela – sugerem, ainda conforme a Cepal, o aumento dos fatores de estresse entre eles, como a pobreza, a fome, as perdas dos mecanismos de organização comunitária e as aceleradas mudanças culturais, com a consequente desestruturação da identidade. Os indígenas do Brasil e da América Latina estão, contudo, cada vez mais organizados em prol da defesa de seus direitos, a exemplo da Organização Indígena da Colômbia, do Congresso Nacional Indígena (México), da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e muitas outras entidades, além de deputados que conseguiram eleger.

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Distribuição da população indígena nas Américas. Wikimedia commons

 
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