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A arte brota em Vigário Geral
24 Fevereiro 2015 | Por Sandra Machado
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praca2Situado na Zona Norte, Vigário Geral é considerado o segundo polo industrial do município, além de concentrar um forte comércio, principalmente no ramo da decoração. Um dos locais mais procurados por quem vem de fora, a Praça 2 oferece artigos para casa a preços bem convidativos, se comparados aos das grandes redes do setor. Em mais de 20 lojas da Rua Isidro Rocha, não faltam pechinchas para quem deseja comprar móveis, lustres, louças, utilidades para a cozinha, material escolar ou artesanato.

A configuração atual do bairro começou a ganhar seus contornos por volta dos anos 1930, quando a Companhia Territorial do Rio de Janeiro efetuou o primeiro loteamento na área. O Conjunto Habitacional Padre José de Anchieta e o Parque Proletário de Vigário Geral, inaugurados, respectivamente, em 1966 e 1970, deram grande impulso à ocupação. Vem dessa época a instalação de fábricas, inclusive de empresas multinacionais, no bairro que, muitas vezes, é confundido com a comunidade de mesmo nome, situada junto à linha férrea da Leopoldina. Ali, onde se concentra a população mais carente, se escondiam talentos artísticos que vêm sendo revelados nos últimos anos, por meio do trabalho de instituições culturais como o Instituto Musiva e o Grupo Cultural AfroReggae.

coretoVGPrimeiros registros

Nas terras da Fazenda Nossa Senhora das Graças, da Freguesia de Irajá, existia o Engenho do Vigário Geral, também conhecido como Engenho Velho, bem próximo ao Rio Meriti. Historiadores divergem quanto ao personagem que teria inspirado o nome da localidade, atribuindo a referência a três proprietários de engenhos distintos: o cônego Luiz Borges da Silva Oliveira (Engenho Nossa Senhora das Graças), o monsenhor Félix de Albuquerque e o padre Clemente de Matos (ambos donos do Engenho de Irajá).

O fim do modelo econômico baseado na exploração da cana-de-açúcar levou à venda da propriedade ao deputado e médico Bulhões Marcial. Ele iniciou a abertura de ruas, ao mesmo tempo que a Estrada de Ferro da Leopoldina era inaugurada, em outubro de 1910, com um barracão – a Estação do Velho Engenho, futura Estação de Vigário Geral. Um dos principais logradouros do bairro homenageia o empreendedor: é a Rua Bulhões Marcial, um trecho da antiga Estrada Rio-Petrópolis. Entre as praças públicas, se destaca a Catolé da Rocha, onde existem dois bens tombados: o coreto e o prédio do clube União Cívica e Progresso de Vigário Geral. A Usina de Tratamento da Bacia do Rio Pavuna, que integra o projeto de despoluição da Baía de Guanabara, também se localiza no bairro.

Um dos mais graves problemas dos moradores da Favela de Vigário Geral diz respeito à mobilidade. O acesso pela comunidade de Parada de Lucas é a única alternativa à passarela construída sobre a linha do trem, junto à Rua Bulhões Marcial, cuja escadaria inviabiliza a subida de idosos, de gestantes e de pessoas com deficiência física. Durante muitos anos, a rivalidade entre as duas comunidades provocou o isolamento de boa parte dessa população. O motivo da discórdia teria sido uma partida de futebol entre o time de Parada de Lucas e o de Vigário Geral, que culminou num longo confronto armado a partir dos anos 1980.

academicosVGA superação por meio da cultura

Em agosto de 1993, o bairro ganhou espaço no noticiário, no Brasil e no exterior, da pior forma possível, quando 21 moradores da Favela de Vigário Geral foram vítimas de uma chacina – supostamente em represália ao assassinato de quatro policiais militares na região, ocorrido na véspera. A comunidade, no entanto, aos poucos foi se organizando para mudar não apenas a imagem que tinha de si mesma, mas também a representação para além de seu espaço geográfico.

A primeira iniciativa partiu de um sociólogo nascido e criado em Vigário Geral, Caio Ferraz, com a criação da Casa da Paz, em 1994. A sede foi instalada na residência onde morreram oito pessoas da mesma família. Reconhecido pelo seu legado político-social com o Prêmio Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, Caio também recebeu a mais importante comenda da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro: a Medalha Tiradentes, entre outras homenagens. No entanto, após um ano de trabalho na ONG, acabou pedindo asilo político nos Estados Unidos, por causa das frequentes ameaças recebidas.

mosaicoJuntando os cacos da vida

Valmir do Vale Lins foi um morador que, instintivamente, decidiu recolher as cápsulas das armas disparadas na noite da tragédia. Depois de muita angústia, transformou os cerca de 12 mil cartuchos encontrados pelas ruas da favela em uma escultura. Almas Aflitas ficou pronta em 1996. Um toque do destino aliado à necessidade de se distanciar daquele cenário de dor levou Valmir a viajar pela Europa, durante 12 anos, atuando em espetáculos circenses. Até que chegou à Espanha, onde se deparou com a obra de Gaudí e se inspirou nele para fazer trabalhos em mosaico.

De volta a Vigário Geral, criou e ensinou outros moradores a produzirem peças que, de início, serviam para indicar a numeração das casas e dos estabelecimentos comerciais. A iniciativa estimulou a comunidade a um processo de reforma e pintura das fachadas. Ampliado, hoje o projeto se chama Inclusão Postal e faz parte de uma das muitas vertentes do Instituto Musiva, fundado por Valmir em 2010, embora as atividades existissem, informalmente, desde 2004.

Além da geração de renda, obtida com a venda das peças produzidas pelos alunos, o retorno se dá pela possibilidade de expressão artística e da valorização da autoestima. Centenas de pessoas já passaram pelas oficinas, que a partir de Vigário Geral se expandiram para a Rocinha, Cidade de Deus, Del Castilho, Madureira e até para o Morro do Estado, em Niterói. No Complexo do Alemão, o grupo produziu nove painéis para as estações do teleférico da comunidade. São oferecidos, também, cursos para a produção de artigos de moda feminina e acessórios, como o Tecendo Arte. Mas o que faz toda a diferença é a orientação passada sobre como se tornar um microempreendedor individual.

O AfroReggae e seus desdobramentos

afroVGPromover a inclusão e a justiça social por meio da arte, da cultura afro-brasileira e da educação. A partir desta proposta, Luiz Fernando Lopes e José Pereira de Oliveira Júnior estruturaram uma instituição que ganhou o mundo. O AfroReggae tem base nas comunidades de Parada de Lucas e Cantagalo, escritório em São Paulo e até um projeto desenvolvido em Cabo Verde. O Complexo do Alemão, o da Penha e outros municípios fluminenses, como Nova Iguaçu, também têm sido beneficiados por suas oficinas. O trabalho, que hoje inclui publicações impressas, vídeos educativos e programas televisivos, começou em setembro de 1993 com o jornal AfroReggae Notícias.

Em termos de música, há ramificações que vão da música clássica à pura percussão. Existem também formações dedicadas à dança, a Trupe de Teatro e o Afro Circo. Mas são justamente os projetos sociais aqueles em que a originalidade de pensamento do AfroReggae se revela com maior clareza. A começar pelo Segunda Chance, que promove e acompanha a inserção de ex-detentos no mercado de trabalho do Rio de Janeiro e de São Paulo. Já o Mutirão AfroReggae auxilia famílias em situação de vulnerabilidade a partir de uma metodologia da Organização das Nações Unidas (ONU), que mede o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) (Mouse over para: Desde 2010, ele substitui o Índice de Pobreza Humana, por contemplar a magnitude das privações não apenas no nível individual, mas nos conjuntos sobrepostos das relações de agregados, inclusive os familiares. Seus parâmetros levam em conta, fundamentalmente, a saúde, a educação e o padrão de vida.). De olho na qualificação dos próprios recursos humanos, o Programa AfroReggae de Educação tem o objetivo de colaborar para o aumento da escolaridade de funcionários e seus familiares, por meio de cursos diversos.

Um bom caminho para conhecer melhor o poder de transformação social do AfroReggae é assistir ao documentário Favela Rising, de Jeff Zimbalist e Matt Mochary, premiado no Festival de Cinema de Tribeca, de Nova York. Ao retratar a experiência de vida do cantor Anderson Sá, beneficiado pelo ativismo da ONG em Vigário Geral, o filme dá àquela história particular um caráter emblemático e bastante representativo do que tem sido o poder de recuperação da comunidade.

Fontes:Portal GeoRio, Site Rio Como Vamos, Portal AfroReggae, Portal Folha de S.Paulo, Site Instituto Musiva, Site United Nations Development Programme, Blog Praça 2 e Adjacências

 
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