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A importância do conhecimento e promoção da biodiversidade brasileira
28 Outubro 2021 | Por Larissa Altoé
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A economia baseada no respeito aos povos tradicionais e à natureza promove dignidade humana e meio ambiente preservado (Arte Nagan/MultiRio sobre fotos dos projetos Bem Diverso, da Embrapa, e da Associação de Produtores Rurais de Carauari, na Amazônia)

Os professores da rede municipal de educação do Rio de Janeiro são orientados pelo Currículo Carioca e pela BNCC a ensinar às crianças e adolescentes a importância da biodiversidade e a conhecer pessoas e instituições que a promovam.

O Portal MultiRio colabora com esse objetivo trazendo casos de sucesso envolvendo populações tradicionais, profissionais especializados, cientistas e projetos que conservam os biomas Cerrado, Caatinga e Amazônia em diversos estados - Minas Gerais, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Amazonas e Acre.

Adevaldo Dias, faz parte da Associação de Produtores Rurais de Carauari (Asproc), na Amazônia; Anderson Sevilha, coordena o projeto Bem Diverso, da Embrapa; Patrícia Gomes, trabalha no Origens Brasil; e Ricardo Abramovay é professor da Universidade de São Paulo - USP. Eles se encontraram de forma on-line em uma videoconferência preparatória para dois seminários sobre áreas protegidas e inclusão social, que acontecerão em novembro e dezembro deste ano – o X Seminário Brasileiro sobre Áreas Protegidas e Inclusão Social (Sapis) e o V Encontro Latino-Americano e Áreas Protegidas e Inclusão Social (Elapis).

Ciência + conhecimento tradicional = renda digna

Adevaldo Dias, da Asproc, contou sobre a experiência bem sucedida e premiada de manejo sustentável e do comércio do pirarucu (o maior peixe de escamas de água doce do mundo) feita por 55 comunidades ribeirinhas da Amazônia.

O manejo sustentável do pirarucu garante renda, moradia e escola para 55 comunidades ribeirinhas da Amazônia graças ao trabalho da associação de podutores locais (Foto: Asproc)

O município de Carauari fica a sete dias de viagem de barco de Manaus, no meio da floresta. "A população já foi muito explorada por seringalistas, mas atualmente se uniu na produção solidária e que também conserva a natureza. A relação entre os associados é de cooperação, autogestão e fortalecimento da comunidade. Dessa forma, passamos a ter mais qualidade de vida", contou Adevaldo.

Ele ainda ressalta que o modelo possibilitou segurança alimentar, ou seja, eliminou a fome das comunidades, gerou renda e contribuiu com a manutenção da cobertura vegetal. "Necessitamos do território para sobreviver", explicou.

Antes dessa experiência de sucesso, Adevaldo revela que o mercado demandava deles madeira ilegal, animais silvestres e quelônios (tartaruga). "O regatão (atravessador) conseguia vender fácil. As comunidades não tinham alternativa nessa época.", lembra ele.

O novo modelo de economia conta com entrepostos de comercialização, com administrador, computador, internet (em 50% dos locais), rádio, câmaras frigoríficas, energia solar, e a marca "Gosto da Amazônia". Além disso, há um centro de comercialização comunitário e uma embarcação que a cada dois meses leva o pirarucu para Manaus e traz insumos e produtos industrializados da capital para as comunidades.

No total, são 600 famílias envolvidas, todas da área rural do Amazonas. Essas comunidades vivem em duas reservas de conservação. Adevaldo contou que o poder de compra das famílias ribeirinhas de baixa renda dobrou. No primeiro ano de funcionamento, em 2009, a associação de produtores rurais de Carauari comercializou produtos no valor total de 50 mil reais; em 2021, essa quantia está em 3 milhões e meio de reais por ano. O dinheiro é proveniente do pirarucu selvagem de manejo e do açaí.

O barco da Asproc leva o pirarucu para Manaus e traz insumos e produtos industrializados da capital para as comunidades (Foto: Asproc)

Adevaldo afirma que a maior dificuldade encontrada pela associação de produtores nesses anos todos foi a falta de políticas públicas para o cooperativismo. Ele conta que, "O banco só emprestava para a pessoa física. Precisávamos de capital de giro no início. O jeito foi os associados pegarem dois mil reais no próprio nome e, em confiança, emprestarem para a Asproc. É preciso políticas públicas que auxiliem na organização da produção".

Com a Asproc, além do aumento da renda, os produtores rurais construíram 300 casas para si, além de escolas, e conquistaram a certificação orgânica para seus produtos. Adevaldo ressalta que o novo modelo econômico gerou inclusão social de famílias que vivem em região isolada. "Nosso modelo de produção é baseado na Ciência e nos conhecimentos tradicionais e produz geração de renda digna. Antes de nos associarmos, vendíamos o peixe inteiro por um preço imposto porque não tínhamos estrutura, o prazo para vender era curto. Com a Asproc, processamos o peixe e vendemos para diversos mercados no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. O arranjo comunitário propiciou um aumento de 75% no preço do pirarucu. O mercado regional paga 4 reais e os mais distantes, 7 reais", concluiu.

Territórios da Cidadania

"Os agroextrativistas são pesquisadores tanto como nós", afirmou Anderson Sevilha, coordenador nacional do projeto Bem Diverso, da Embrapa. O projeto tem como objetivo contribuir para a conservação da biodiversidade brasileira por meio do manejo sustentável da sociobiodiversidade e de sistemas agroflorestais, de modo a assegurar os modos de vida das comunidades tradicionais e agricultores familiares, gerando renda e melhorando a qualidade de vida.

O projeto Bem Diverso, da Embrapa, promove o extrativismo sustentável em seis territórios da cidadania (Divulgação)

São 14 unidades da Embrapa envolvidas, 6 escolas Famílias Agrícolas (espaços de formação e treinamento); e 100 associações e cooperativas beneficiárias. Resultados do Bem Diverso: 84% de redução de incêndios nesses territórios; 32% do aumento da produtividade; e 40% de aumento da renda.

O Projeto Bem Diverso atua diretamente em seis Territórios da Cidadania: Alto Acre e Capixaba, no Acre; Marajó, no bioma Amazônia; Médio Mearim e Alto Rio Pardo, no bioma Cerrado; Sobral e Sertão de São Francisco, na Caatinga.

Nesses territórios são desenvolvidas boas práticas de extrativismo sustentável com 11 espécies de plantas : andiroba, araticum, açaí, babaçu, castanha-do-brasil, coquinho azedo, licuri, maracujá-do-mato, pequi, umbu e veludo. O site do projeto traz imagens e informações sobre cada uma dessas plantas brasileiras.

Comércio justo e transparente

O Origens Brasil ganhou quatro prêmios internacionais, entre eles, o da FAO/ONU 2019, em inovação internacional, por ser uma rede que promove negócios sustentáveis na Amazônia em áreas prioritárias de conservação, com garantia de origem, transparência, rastreabilidade da cadeia produtiva e promoção do comércio ético. "É possível produzir e consumir construindo soluções que beneficiem o ambiente e as pessoas envolvidas", acredita Patrícia Gomes, da ONG Imaflora, que tem como uma de suas iniciativas o Origens Brasil.

O Origens Brasil trabalha para promover negócios que mantenham a Floresta Amazônica de pé, buscando soluções de mercado baseados na conservação. Alia inovação com a tradição das populações indígenas e quilombolas. Conecta empresas e mercados a 40 povos indígenas e populações tradicionais, valorizando e gerando renda para esses povos, que são 'guardiões' de 51 milhões de hectares de floresta na Amazônia. "O maior potencial de inovação do Brasil está na nossa sociobiodiversidade", afirma Patrícia.

O Origens Brasil usa tecnologia para promover negócios que mantenham a Floresta Amazônica de pé (Divulgação)

A conexão entre as populações de 38 áreas protegidas no norte do Brasil com mercados consumidores se dá por meio da tecnologia – plataforma digital, celular, Qr code e informações sobre produtos. O Origens Brasil treina a comunidade local para operar a plataforma digital, com conexão comercial, sem custos para eles. As empresas-membro pagam uma taxa para manter o sistema. A ONG Imaflora é a administradora dessa rede.

A equipe do Origens Brasil trabalha em quatro territórios, incluindo o Xingu. São comercializados 51 produtos e ingredientes da sociobiodiversidade, como por exemplo o mel, o pequi e a pimenta. Entre 2016 e 2020 foram negociados 9,9 milhões de reais, que retornaram para as comunidades locais. São 1.924 produtores cadastrados, sendo 42% de mulheres e 30 empresas-membro (no início, eram 3). O Origens possibilita aos povos da floresta e quilombolas negociarem diretamente com produtores sem intermediários.

Segundo Patrícia Gomes, há atualmente dois desafios para o projeto: há produtos de demanda maior que a oferta instalada, o que coloca a pergunta: como apoiar para escalar a produção? Casos do cumaru e a indústria de cosméticos e alimentícia e os óleos vegetais, como o de copaíba. Por outro lado, a castanha e o pirarucu têm oferta grande e mercado menor. "O Origens Brasil promove relações duradouras e a economia do cuidado responsável", resumiu Patricia.

A Floresta Amazônica não é área desocupada

Ricardo Abramovay, professor do Programa de Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP, disse que, ao contrário do que o senso comum acredita, a Floresta Amazônica é ocupada por cultura material e social. "As populações que vivem ali sempre lidaram com os mercados. Precisamos substituir o tipo de relação para que a dominação e a destruição deem lugar ao respeito. O desenvolvimento sustentável requer que as pessoas sejam protagonistas nos processos em que estão envolvidas. Esse é o grande desafio para o Brasil e para a América Latina: inovar e lutar contra a pobreza. No uso sustentável da biodiversidade poderemos ser competitivos em relação às outras regiões do planeta. O mundo pede socorro e busca exemplos de geração de renda e de emprego, a partir do bem estar das populações e da regeneração da natureza”, concluiu o cientista.

 
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