Pesquisas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) constataram que, em todo o mundo, são os professores brasileiros os que mais gastam tempo para estabelecer a disciplina dos alunos em sala de aula. E por que isso ocorre de forma tão aguda em nosso país? Segundo Luciano Campos Silva, que investiga o assunto e é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), estabeleceu-se, no Brasil, a ideia de que, nas escolas públicas, a indisciplina é um reflexo das práticas familiares das camadas menos favorecidas da sociedade.
Ele, contudo, rejeita essa tese. Em seu artigo Indisciplina no Pisa: entre o intra e o extraescolar, argumenta que, se de um lado existe o peso das socializações domésticas na forma como os alunos agem, de outro não se pode desconsiderar, em hipótese alguma, a influência das situações que a escola lhes apresenta e que, a princípio, deveriam mobilizar novos esquemas de socialização.
O estabelecimento da disciplina na escola se torna ainda mais relevante quando dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) indicam que ela constitui em dos fatores que mais influenciam o desempenho acadêmico. E por ser tão cara ao sucesso escolar, pesquisadores afirmam que os professores devem buscar estratégias para conquistar a atenção dos alunos, a fim de manter a disciplina e a sua liderança em sala de aula.
Para a diretora da E.M. Sarmiento (3ª CRE), Patrícia Gomes de Azedo, ganhadora do Prêmio Faz Diferença de 2017 e bem-sucedida na gestão de escolas públicas em áreas conflagradas, ao contrário do que muitos pensam, a manutenção da disciplina não é uma tarefa exclusiva do professor. “É claro que ele é crucial para obtê-la. Mas, a meu ver, a disciplina também passa por inúmeras práticas que dizem respeito à direção e à administração, como, por exemplo, o planejamento. Uma escola só funciona a contento quando todas as frentes de trabalho estão bem amarradinhas ”, afirma, com a convicção de quem já conseguiu fazer brilhar unidades de ensino que estavam em situação caótica.
Segundo ela, para começar, é preciso que o regimento escolar da Rede Pública Municipal seja amplamente conhecido pela comunidade escolar. “É fundamental lembrar os responsáveis sobre as regras, no início de cada ano, e passá-las de forma bem clara para os alunos novos”, explica Patrícia. Mas, para atingir um ambiente disciplinar adequado à aprendizagem, é necessário bem mais que isso.
O pulo do gato
A E.M. Sarmiento fica localizada no Engenho Novo e atende alunos oriundos de várias comunidades – como São João, Matriz, Mangueira e Complexo do Lins, entre outras –, além de crianças que moram em abrigo e jovens que cumprem medidas socioeducativas. Ao todo, são cerca de 70 docentes e 1.100 discentes das mais diversas faixas etárias, distribuídos entre a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Peja, e em turnos pela manhã, tarde e noite.
O grande segredo para manter a disciplina diária de seus mais de 1.000 alunos reside, segundo a diretora, no planejamento milimétrico das quatro horas e meia em que eles estão na escola. As aulas são divididas em várias atividades bem cronometradas, como a de acolhimento (momento em que o professor trabalha para conquistar a concentração da turma), de leitura, de ensino dos conteúdos, de exercícios, de agenda, de revisão... “As aulas precisam ser dinâmicas, com uma atividade atrás da outra, para não dar espaço à dispersão e à indisciplina”, explica.
Desde que Patrícia chegou à Sarmiento, até a chamada “hora do recreio” é planejada. Lá, não existe aquele momento de intervalo em que todos os alunos se dirigem para o pátio ao mesmo tempo. “É claro que temos um momento livre e de lazer, mas ele é pré-combinado e pode acontecer em vários espaços da escola, como a sala de vídeo, a quadra, algum lugar onde possam pintar, jogar... Tudo depende do planejamento do professor da turma”, esclarece.
A rotina bem marcada é muito importante para a manutenção da disciplina, na visão da diretora. Para garantir isso, pede que cada professor apresente à coordenação pedagógica um planejamento semanal das aulas a partir dos conteúdos previstos e das orientações dadas (a divisão do tempo em atividades): “Quanto maior a organização didática, maior o nível de disciplina dos alunos. O professor precisa manter o planejamento combinado e se preparar bem para cada aula. Quanto mais recursos tiver, melhor”.
Quando foge ao controle
Mesmo com todo o esmero na organização pedagógica, Patrícia Gomes de Azevedo afirma que, algumas vezes, ocorrem situações de indisciplina. Quando se trata de uma turma inteira, ela busca meios para diagnosticar o motivo e sanar o problema internamente. Mas, caso ocorra uma situação grave, provocada por um ou um pequeno grupo de alunos, os professores têm um procedimento a seguir: descrever o ocorrido em um caderno específico e convidar a turma a fazer o mesmo – ou seja, quem quiser, pode registrar sua versão sobre o fato
A partir de então, os responsáveis dos alunos que promoveram o ato de indisciplina são convocados e convidados a ler os registros no caderno para conhecer as visões sobre o ocorrido. Por meio do diálogo, a direção busca uma posição satisfatória, que restabeleça a paz entre os alunos envolvidos.
Mas o que acontece se os responsáveis não atenderem o chamado da escola? “A criança só volta a participar das atividades escolares quando o problema for solucionado. Os pais e os alunos precisam ter claro qual é o regimento da escola”, esclarece. Afinal, como diz o pesquisador da Universidade Federal de Ouro Preto, Luciano Campos Silva, para estabelecer a disciplina é fundamental que a escola saiba instaurar seus esquemas de socialização