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Pereira Passos, o prefeito da reforma
24 Fevereiro 2016 | Por Sandra Machado
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Pereira Passos em seu gabinete de trabalho, em 1906 (Foto: Augusto Malta)

Saneamento, modernização e marketing são motivos alegados por quem tenta explicar a grande transformação arquitetônica que caracterizou a gestão de Pereira Passos (1902-1906) à frente da Prefeitura do Rio de Janeiro. À semelhança da enorme reforma realizada em Paris por Georges Haussmann, entre as décadas de 1850 e 1870, o plano para a série de obras públicas já tinha sido publicado com detalhes em janeiro de 1875. O documento ficou conhecido como o Primeiro Relatório da Comissão de Melhoramento da Cidade do Rio de Janeiro, feito por encomenda do conselheiro João Alfredo, que, no ano anterior, havia nomeado Pereira Passos engenheiro do Ministério do Império. Da comissão faziam parte, ainda, os engenheiros Marcelino Ramos e Jerônimo Moraes Jardim. No entanto, o governo de Dom Pedro II não foi capaz de assumir o ônus de um projeto daquele porte, de forma que a chamada Grande Reforma Urbana só sairia do papel quase três décadas mais tarde.

Estavam previstas avenidas largas, retas e arejadas, capazes, principalmente, de garantir que a circulação de ar fresco diminuísse o grau de insalubridade urbana, responsável pelas frequentes epidemias de tuberculose, febre amarela e varíola. Enquanto a última doença dependia da vacinação, as duas primeiras demandavam essencialmente uma reconfiguração das edificações que substituísse as chamadas “cabeças de porco”, como eram conhecidos os cortiços onde vivam as populações pobres. A solução encontrada na época foi promover o “bota-abaixo”, com a derrubada de centenas de submoradias, e o arrasamento dos morros de Santo Antônio e do Castelo. Boa parte da população que habitava a região do Centro e, subitamente, se viu desabrigada precisou improvisar novos alojamentos nos morros da cidade e nos subúrbios, uma vez que não houve uma política pública de planejamento da remoção. A maneira como a modernização arquitetônica e urbanística do Rio de Janeiro foi levada a termo na virada do século XIX para o XX costuma provocar uma associação um tanto difusa em relação à figura de Pereira Passos, fazendo com que ele seja lembrado ora como elitista, ora como empreendedor. Que pese a seu favor, no entanto, a reconfiguração operada nas regiões centrais de Buenos Aires, em 1880, e de Montevidéu, em 1887, onde os contrastes sociais também não conseguiram sensibilizar os obstinados pela modernidade.

Talento nato

As controvérsias em torno de Pereira Passos chegavam, frequentemente, às charges das publicações da época (Arquivo Histórico do Museu da República)

Francisco Pereira Passos nasceu em 1836, na Fazenda do Bálsamo, localizada na Vila de São João do Príncipe, um povoado no interior do estado do Rio. Cafeicultor do Vale do Rio Paraíba do Sul, seu pai, Antônio, explorava o cultivo da cana, cereais e hortaliças com mão de obra escrava, além de também atuar como negociante de café e tabelião. Devido ao seu prestígio pessoal, em 1860 foi nomeado Barão de Mangaratiba pelo imperador Dom Pedro II. A família da mãe, Clara, era igualmente abastada. Desde cedo, o casal se deu conta da aptidão natural do oitavo entre os nove filhos para as ciências exatas: aos 15 anos, Francisco deslocou o curso de um rio, de forma a irrigar a plantação de arroz da fazenda onde moravam. Enviado ao Rio de Janeiro para continuar os estudos, optou pelo curso de Engenharia Civil da Escola Militar da Corte, apesar de os pais sonharem com o de Direito, que facilitaria o acesso a uma carreira pública. Além do mais, engenharia era uma formação visada preferencialmente por jovens de famílias pobres, que viam no oficialato uma possibilidade de ascensão social. Francisco foi, durante cinco anos, um representante da elite em meio aos colegas menos privilegiados. No tempo livre, escrevia poemas, que compilou em uma obra batizada de Horas Vagas.

Toda a base teórica da faculdade vinha de livros técnicos escritos por físicos e matemáticos franceses. Concluída a graduação, Pereira Passos optou, então, por passar quatro anos estudando na França, onde acompanhou as reformas promovidas por Haussmann. No retorno ao Brasil, ingressou na Diretoria de Obras Públicas da Província do Rio de Janeiro, em 1860, onde iniciou uma bem-sucedida carreira como engenheiro especializado no crescimento da malha ferroviária. Enviado a uma missão em Londres, conseguiu um acordo com uma empresa inglesa sobre a Estrada de Ferro São Paulo Railway, aí já como consultor técnico do Ministério da Agricultura e Obras Públicas. Sua habilidade no cumprimento da missão em que predecessores haviam falhado chamou a atenção do imperador. Retornou ao Brasil encantado com os projetos de ajardinamento ingleses e com as vilas operárias que visitou no exterior. Das anotações, compiladas em sua caderneta de campo, acabou escrevendo um manual para engenheiros ferroviários, que foi utilizado não apenas no país, mas também vertido para o italiano.

Projeto de uma vida

Com o início do mandato do presidente Rodrigues Alves, em 1902, o governo federal decidiu investir no Rio de Janeiro e transformá-lo em uma cidade compatível com a nova ordem do comércio internacional. Seria uma espécie de cartão-postal brasileiro adequado à ampliação das relações exteriores: incrementando os serviços portuários e de transporte, apagando traços da arcaica arquitetura colonial e, principalmente, extirpando as epidemias e combatendo os hábitos arraigados que atentavam contra a saúde pública. Duas nomeações sacramentaram essas intenções: a do médico sanitarista Oswaldo Cruz como diretor federal da Saúde Pública e a do engenheiro Pereira Passos para ocupar a Prefeitura do Distrito Federal.

Abertura da Avenida Central, com o Pão de Açúcar ao fundo (Arquivo Histórico do Museu da República)

Entre as obras realizadas por ele, destaca-se a Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, com seus dois quilômetros de comprimento e 33 metros de largura, que ligava as então avenidas do Cais e Beira-Mar. Ela se tornou um marco da cidade renovada, ao fazer surgir grandes estabelecimentos comerciais, escolas, teatros e museus onde antes só existiam cortiços, estalagens e pequenos comércios. Uma comissão especial, presidida por Paulo de Frontin, ficou encarregada exclusivamente da abertura da via. Além de cuidar das desapropriações, o órgão deveria avaliar os projetos dos edifícios a serem construídos, entre os inscritos por meio de um concurso público. De março a setembro de 1904, foram demolidas cerca de 600 casas para a abertura da Avenida Central. Em novembro de 1905, a inauguração solene deu início ao surgimento de cerca de 120 novos prédios.

Mas celebridades da época, como Rui Barbosa e o médico Souza Lima, discordavam dos métodos empregados pelo poder público. Para oferecer uma resposta aos detratores da reforma urbana, dois projetos de documentação fotográfica foram providenciados. O primeiro, de Augusto Malta, contratado pela Prefeitura em junho de 1903, registrava as condições de precariedade dos imóveis; e o segundo, de Marc Ferrez, a quem foi encomendado reproduzir os projetos aprovados no concurso de fachadas para a Avenida Central e, posteriormente, fotografá-las já construídas, em um trabalho que seria publicado em uma edição de mil exemplares. Pena que, em 1913, dois terços da tiragem do Álbum da Avenida Central tenham sido destruídos, quando uma ressaca causou a inundação de várias casas, inclusive a de Ferrez, onde estavam armazenados.

Malta foi além do esperado, registrando, também, a necessidade de modificação dos costumes, ao retratar homens ociosos pelos botequins e crianças que brincavam descalças nas ruas de terra batida. Como pano de fundo, no entanto, não havia uma real discussão sobre melhorias nas condições de vida da classe mais pobre, mas sim da própria imagem do Rio de Janeiro, afastando essa parte decadente da cidade do olhar de quem vinha de fora a negócios. A Revolta da Vacina, que aconteceu em novembro de 1904, foi uma resposta da população a uma política duramente intervencionista sobre os direitos privados, após a aprovação de um decreto articulado por Oswaldo Cruz, que propunha a vacinação obrigatória contra a varíola. Concluída a reforma arquitetônica e urbanística, tratou-se de coibir a mendicância, a vadiagem e o comércio ambulante nas vitrines a céu aberto, dedicadas agora ao hábito do passeio e do consumo elitizado.

Sob o ponto de vista do ideário que originou a maior contribuição do prefeito Pereira Passos para a história do Rio, existe a crença de que era necessário estimular o desenvolvimento do senso estético entre os habitantes, em direção a um ideal civilizatório mais condizente com os novos padrões contemporâneos. Embora jamais concretizados, os detalhes do Primeiro Relatório da Comissão de Melhoramento da Cidade do Rio de Janeiro contemplavam a edificação de casas rodeadas de jardins na área delimitada desde o Campo da Aclamação – atual Praça da República – até a raiz da Serra do Andaraí, destinadas aos operários que viviam nos atuais bairros do Andaraí e Vila Isabel. Também constava no documento a construção de uma universidade projetada para o fim da grande avenida que margearia o Canal do Mangue, próximo a onde existe, hoje, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Segundo o projeto, junto à chamada Universidade do Rio de Janeiro seriam instalados, ainda, um horto botânico e um jardim zoológico, que teriam tanto finalidade de ensino quanto de lazer para os moradores do entorno.

Fontes:

AZEVEDO, André Nunes de. Um esboço biográfico de Francisco Pereira Passos: o progresso sob a égide da civilização.

ENTLER, Ronaldo; OLIVEIRA JR., Antônio Ribeiro de. Augusto Malta e Marc Ferrez: olhares sobre a construção de uma metrópole. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 4, out. 2008.

Revista Rio de Janeiro, n. 10 , maio-ago. 2003

 
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