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Proclamação da República: os militares e o fim do Império
12 Novembro 2020 | Por Márcia Pimentel
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Washington Luís, presidente eleito em 1930, deposto por uma Junta Militar em agosto do mesmo ano. Galeria dos presidentes, domínio público

A República do Brasil comemora, em 2020, seu 131º aniversário com eleições municipais por todo o país e um consenso entre os historiadores: o episódio de 15 de novembro de 1889 foi um golpe de Estado sobre o regime monárquico e marcou o início de uma participação constante dos militares na vida política brasileira, a exemplo de 1930, 1964 e os dias atuais. Apesar de o tema ser relevante, especialmente para a compreensão da história recente do Brasil, o que as pessoas sabem acerca do episódio? Ao perguntar sobre o que lembravam da Proclamação da República, a reportagem constatou que, de forma geral, jovens, adultos e idosos das mais diferentes classes sociais quase nada (ou mesmo nada) conheciam sobre o fato histórico, suas motivações, seus contextos e suas consequências.

A Proclamação da República integra o currículo do Ensino Fundamental. No caso da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, é assunto do 9º ano. Segundo o professor de História Sinésio Jefferson Andrade Silva, da Coordenadoria de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação (SME), um plano de formação continuada (sobre esse e outros temas históricos) estava previsto para este ano, mas foi cancelado em função da pandemia de Covid-19. Mas pelas orientações  da SME, as escolas precisam sempre buscar as melhores soluções para a construção de um plano de ensino-aprendizagem. Além disso, é importante que os professores contextualizem os eventos históricos para facilitar sua melhor comprensão por parte dos alunos.

No caso específico do episódio da Proclamação da República, em que um pequeno círculo de militares optou pela mudança de regime político, o professor da SME acredita que é preciso entender as razões que estimularam as Forças Armadas, especialmente o Exército, a participarem da política e saber contextualizá-las com outros processos que desgastavam o Império. Conforme explica Sinésio Jefferson, isso envolve os fatos relacionados àquilo que a historiografia apresenta como “Questão Militar” e a outros fenômenos relevantes que contribuíram para a corrosão da monarquia brasileira.

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Críticas à monarquia brasileira e à inércia do imperador se avolumaram na década de 1880. Charge de Angelo Agostino, Revista Ilustrada, 1887, domínio público

O professore Sinésio Jefferson chama a atenção para os fatores que têm levado pesquisadores a interpretarem a Proclamação da República como um golpe (questão que será esclarecida mais adiante). Também lembra que é preciso relacionar a movimentação dos militares à perda de apoio político que o governo imperial passava no final da década de 1880. O Estado brasileiro, na época, não era laico e Pedro II enfrentava grande desgaste perante a Igreja, desde que decidiu desobedecer a bula do Papa Pio IX, que pedia a excomunhão dos católicos maçons, fato que criou vários atritos entre o imperador e alguns bispos. O governo também não contava mais com o entusiasmo dos escravocratas, desde a assinatura da Lei Áurea, em 1888. Mas todo esse desgaste não significava que a maioria da população brasileira fosse republicana.

Praia Vermelha

Artigo publicado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) explica que havia, sim, muitos republicanos no final do Império. Esse grupo era formado por uma parcela dos militares, advogados, jornalistas, cafeicultores e outros setores da elite. Partidos Republicanos também vinham sendo criados nas províncias (atuais estados) do país. A instauração de uma República, contudo, não estava na pauta da maioria da população, ou mesmo entre a maior parte dos militares. “Apenas uma pequena fração do Exército, e com características muito específicas, esteve envolvida na conspiração republicana”, diz o artigo.

A maioria dos militares estava, no entanto, insatisfeita com o governo imperial. Achavam-se pouco reconhecidos depois de todo o esforço que fizeram na Guerra do Paraguai. Queriam melhorias em suas remunerações e no plano de progressão de carreira. O status social deles era baixo, em contraposição aos bacharéis em Direito, normalmente filhos das famílias mais abastadas, que encontravam os caminhos sempre abertos para exercer os mais bem remunerados cargos públicos do país. A insatisfação aumentou ainda mais depois que o governo imperial proibiu os militares de emitirem opiniões na imprensa.

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Escola Militar da Praia Vermelha, em 1888. Foto Eduardo Bezerra, domínio público

Entre os militares, os críticos mais radicais eram os jovens oficiais, de patentes inferiores do exército (alferes, tenentes e capitães), que faziam (ou haviam feito) curso superior na Escola Militar, localizada na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. Tratava-se de um grupo de oficiais republicanos, cujo republicanismo estava calcado na valorização do mérito individual e na cultura cientificista. A Escola Militar sequer era passagem obrigatória para a ascensão na carreira militar. Havia um fosso de formação entre os diplomados na Praia Vermelha e a maioria dos oficiais do exército. Fosso ainda maior existia entre a oficialidade e o contingente de praças, que tinham origens sociais bastante distintas. De qualquer forma, segundo a historiadora Claudia Alves, a Escola Militar havia se transformado em uma das poucas alternativas de ascensão social oferecidas pelo Império. E a mocidade formada na Praia Vermelha queria se situar melhor dentro da sociedade brasileira dominada por bacharéis.

O golpe

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O Visconde de Ouro Preto, conhecido por sua falta de tato político com os militares. Foto de autor desconhecido, c. 1889, domínio público

A animosidade entre militares e governo imperial só crescia no segundo semestre de 1889. As insubordinações também. Na queda de braços, o então ministro da Guerra, Cândido de Oliveira, e o presidente do Conselho de Ministros, o Visconde de Ouro Preto, tentavam manter a autoridade com punições por infração das regras de disciplina e desrespeito à hierarquia militar. Isso insuflou ainda mais os ânimos dos oficiais, em especial daqueles formados na Praia Vermelha, que passaram a promover seguidas reuniões secretas no Clube Militar. No início de novembro, o clima conspiratório estava instalado, junto com uma rede de boatarias. Uma insurreição foi articulada e contava com o apoio de civis ilustres, como Ruy Barbosa, Quintino Bocayuva e Aristides Lobo.

Conforme o já citado artigo da FVG, há versões discordantes quanto a haver ou não uma data prevista para a insurreição: “De qualquer forma, durante toda a noite de 14 de novembro, oficiais inferiores dos regimentos de artilharia e cavalaria, além dos alferes-alunos da Escola Militar, organizavam a saída das tropas para atacar o governo”. Informado do que se passava, o Visconde de Ouro Preto convocou diversas unidades do exército e se refugiou, junto com os demais ministros do Império, no Quartel-General do Exército (localizado onde hoje fica o Palácio Duque de Caxias), para organizar a resistência ao golpe.

Na madrugada, os rebelados foram buscar, em casa, o professor da Escola Militar Benjamin Constant, para que ele comandasse as tropas na direção do Quartel-General. A ausência do Marechal Deodoro da Fonseca, acamado em casa, preocupava, pois avaliavam que só ele teria ascendência suficiente sobre as tropas dos batalhões de infantaria que não estavam com os revoltosos. Deodoro era amigo pessoal de Pedro II e, avisado da insurreição, não parecia ter o objetivo de derrubar o imperador, mas acabou convencido da necessidade de destituir o Visconde de Ouro Preto. Saiu então da cama e foi ao encontro das tropas sublevadas, que passou a comandar.

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A Proclamação da República. Óleo sobre tela de Benedito Calixto, 1893. Pinacoteca de Sçao Paulo

Dentro do Quartel-General, o Visconde de Ouro Preto ordenava o chefe da segurança do Conselho de Ministros, o General Floriano Peixoto, para que ele enviasse cerca de dois mil homens dos batalhões adjacentes para enfrentarem e debelarem os rebelados. Floriano não cumpriu as sucessivas ordens do ministro e, sem resistência, os revoltosos comandados por Deodoro (estima-se que algo em torno de 600 homens) se postaram à frente do Quartel-General, com alguns canhões.

Acompanhado dos principais rebeldes, Deodoro ingressou a cavalo no interior do QG, na manhã do dia 15, e anunciou aos ministros ali reunidos que organizaria outro ministério de acordo com as indicações que iria levar ao imperador. Os rebeldes republicanos não ficaram, contudo, satisfeitos. Queriam a instituição da República, o que só aconteceu à noite, após longa reunião com o Marechal Deodoro, que, enfim, assinou seu primeiro decreto: “Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da Nação Brasileira a República Federativa”.

Marca de nascença

Conforme lembra o professor Sinésio Jefferson, nem os grupos acostumados a exercer o poder estiveram envolvidos na ruptura de regime político: "Fora do círculo militar, pouquíssimos sujeitos participaram da decisão de trocar a monarquia pela república”, diz. Vários historiadores ainda lamentam o fato de que, embora o conceito de República seja um avanço civilizatório, o regime republicano no Brasil tem sido marcado pela dificuldade de inclusão social da população, desde seus primórdios. Um exemplo foi a adoção da política de branqueamento racial, que reafirmava a posição subalterna da população negra. Uma das faces dessa política foi o incentivo à imigração de brancos europeus para ocuparem a maior parte dos postos de trabalho, deixando para os negros, tidos como raça inferior, as funções mais baixas na hierarquia ou lançando-os à informalidade.

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Ilha das Flores, na Baía de Guanabara: a porta de entrada dos imigrantes que chegavam ao Rio de Janeiro. Coleção Leopoldino Brasil

Celso Castro, que assina o citado artigo da FGV e tem vários estudos sobre os militares no Brasil, lembra que o decreto do Marechal Deodoro instituía a República de maneira provisória e previa, em seu artigo sétimo, que a instauração definitiva do novo regime dependeria do pronunciamento da Nação por meio de sufrágio popular: “O plebiscito só seria realizado 104 anos mais tarde, em 1993 (...) quando República e Monarquia já tinham um sentido completamente diferente daquele que tinham em 1889”.

Nesse ínterim, várias outras intervenções militares transcorreram na história do país. Embora, recentemente, a Advocacia Geral da União e membros do Supremo Tribunal Federal tenham se pronunciado no sentido de que as Forças Armadas não são um Poder Moderador, no Brasil, brechas em nossas Constituições deram margem à interpretação de tutela da República pelos militares. O professor Sinésio Jefferson atenta, contudo, para o risco de o ensino de História cair na armadilha de simplificar o que não é simples. “As relações humanas e a história são complexas e a simplificação pode propagar narrativas dotadas de lógica, mas, que falham em conteúdo histórico e se equivocam nas contextualizações”, diz, lembrando que esse risco é ainda maior nesses tempos de pós-verdades e fake news.

 
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