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Heróis do Tabuleiro a serviço da superação das dificuldades de aprendizagem
12 Agosto 2018 | Por Christiana Tavares e Márcia Pimentel
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*Reportagem publicada originalmente na Revista Carioca de Educação Pública nº 5

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Projeto Heróis do Tabuleiro. Foto: divulgação

Ajudar crianças de baixa renda a serem bem-sucedidas na aprendizagem se transformou em missão central das redes de ensino público de vários países do mundo. O fracasso escolar neste segmento da população tem sido apontado como um dos principais motivos do aumento das desigualdades sociais, a exemplo dos Estados Unidos, aonde diversos programas escolares vêm sendo implantados com o objetivo de melhorar o desempenho acadêmico das camadas mais pobres.

Um dos principais focos do debate que visa o enfrentamento do problema tem sido sobre a importância dos fatores não cognitivos e socioemocionais na formação de jovens e crianças. É que pesquisas nas áreas de Neurociência, Pediatria e Psicologia vêm sustentando que ambientes hostis e instáveis podem causar mudanças biológicas que afetam o desenvolvimento de capacidades não cognitivas importantes para o processamento de informações e o controle emocional.

Com isso, atributos não cognitivos ganharam mais valor no processo educacional, aumentando a demanda por currículos e estratégias de ensino que ajudem alunos a desenvolvê-los. E um dos projetos mais bem sucedidos nos Estados Unidos tem sido o desenvolvido pela professora Elizabeth Spiegel da Intermediate School 318, localizada no novaiorquino bairro do Brooklin, que transformou a equipe de xadrez da escola em uma potência competitiva.

Antenada nos debates e experiências contemporâneas na área de Educação, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro ampliou para a sua Rede de Ensino um projeto nascido na 7ª CRE, que utiliza, em benefício da aprendizagem, o potencial do jogo de xadrez no desenvolvimento de habilidades não cognitivas. Trata-se de Heróis do Tabuleiro, encabeçado pela professora Fátima Bispo – mestre em Educação Física especializada em Psicopedagogia –, que passou a se interessar pela modalidade depois de ter aprendido a jogar com dois alunos da E. M. Pedro Aleixo, localizada na Cidade de Deus. Para melhor entender o projeto, a Revista Carioca de Educação Pública fez uma entrevista com ela.

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Fátima Bispo, coordenadora do projeto. Foto: divulgação

O que é o xadrez?

Para alguns autores é um misto de ciência, arte e esporte. Para mim é uma ferramenta que contribui para o enfrentamento das dificuldades e transtornos de aprendizagem, especialmente para alunos de escolas públicas.

Especialmente para as escolas públicas por quê?

Quando os alunos da escola privada apresentam dificuldades, isso não significa que terão insucesso na escola. Normalmente, suas famílias têm condições de formar uma rede de apoio em torno deles, contratando psicopedagogo, psicólogo, fonoaudiólogo... Já as famílias da rede pública costumam não ter condições de arcar com esses custos. É aí que nosso projeto de xadrez pode ajudar, pois nos propomos a ser uma parte dessa rede de apoio junto aos alunos com dificuldade de aprendizagem. Mas é preciso ter o cuidado de não encarar o xadrez como remédio, principalmente como medicamento milagroso que cura qualquer doença.

E como o jogo atua na formação da criança?

Toda criança brinca e joga. Isso faz parte de sua natureza e condição humana, de sua formação biológica e cultural. De acordo com Johan Huizinga, para além de um homo sapiens, existe um homo ludens. Quando você encontra um bebê e brinca de esconder com ele, institui-se um jogo importante para a formação dele. Há diversos tipos de jogos. Cada um assume um papel diferente ao longo do desenvolvimento infantil. O xadrez entra no momento em que os jogos de regras podem ser inseridos.

A partir de que idade uma criança pode começar a jogar xadrez?

Não existe uma idade mínima. Algumas crianças, por influência da família ou por talento, começam a se interessar pelo jogo bem cedo, com 4 ou 5 anos. Na Rede, trabalhamos com alunos a partir do 1º ano.

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O xadrez prepara o cérebro da criança para aprender melhor. Foto: divulgação

Mas como o xadrez contribui para o desenvolvimento da criança?

O xadrez tem um potencial bastante interessante no fomento de aprendizagens. Costuma-se dizer que o xadrez é "a ginástica da mente". E acho exatamente isso! O jogador de vôlei, por exemplo, corre e faz musculação para preparar a estrutura ósteomioarticular e jogar melhor. A criança aprende e joga xadrez, entre outras coisas, para preparar o cérebro para aprender mais e melhor.

Como os benefícios do xadrez são avaliados? Quais critérios são utilizados? Essa é uma área na qual precisamos avançar muito. Hoje, no projeto Heróis do Tabuleiro, a avaliação é baseada na percepção da mudança de comportamento do aluno frente à aprendizagem e no acompanhamento de seu desempenho acadêmico. Só que, às vezes, alguns alunos avançam no xadrez, mas não nos conteúdos referentes ao ano que está cursando. Para entender porque isso acontece, desenvolvemos um projeto de pesquisa (já cadastrado na Plataforma Brasil), para melhor entender como se dá esse processo. Acreditamos que, com os dados colhidos, poderemos encontrar caminhos para construir novas estratégias. Mas, certamente, não conseguiremos desatar todos os nós, porque há variáveis que não podemos isolar. Por exemplo, a diferença de estilos de ensino de um professor e de outro. Além disso, há situações que estão para além do tipo de intervenção proposta pelo Heróis do Tabuleiro.

Como funciona o Heróis do Tabuleiro?

O Heróis não é uma atividade no contraturno. As turmas que fazem parte do projeto têm uma aula de xadrez por semana dentro da grade de horário. Ou seja, é uma nova disciplina. Montamos, inclusive, uma matriz curricular que indica o que cada série precisa aprender no xadrez, muito embora isso não seja engessado.

Como o projeto nasceu?

Ele surgiu há 8 anos e foi escrito por várias mãos, após uma oficina de Introdução ao Ensino do Xadrez que dei para alguns colegas que atuavam em escolas da 7ª CRE. Éramos então 8 ou 10 escolas. Em 2017, já éramos 20 e atendíamos a cerca de 7.000 alunos, anualmente. Em 2018, conseguimos ampliar o Heróis para 5% das escolas de 1º segmento de toda a Rede Municipal. Isso corresponde a um total de 57 escolas, distribuídas por cada uma das 11 CREs, e uns 20.500 alunos.

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Aulas são embasadas em conhecimentos psicopedagógicos, neurocientíficos e enxadrísticos. Foto: divulgação

Como se dá o processo de formação de professores e professoras para o ensino do xadrez?

Infelizmente, não temos uma formação específica para esse profissional, no Brasil. Mas, com uma oficina de 2h, qualquer adulto é capaz de aprender, se apropriar da metodologia e replicar o que aprendeu a alunos iniciantes. A questão é que pretendemos muito mais do que replicar técnicas ou fundamentos. Por isso, oferecemos uma formação de 20h para o professor de Educação Física que está se propondo a desbravar esse campo. Ela é feita a partir de uma metodologia própria, que temos aprimorado ao longo dos anos, embasada em conhecimentos psicopedagógicos e neurocientíficos, e, claro, no desenvolvimento e aprimoramento de nossos conhecimentos enxadrísticos. Além disso, há uma formação continuada, realizada semanalmente. À medida que avançamos, vamos disponibilizando subsídios para a operacionalização, por parte do professor, de conhecimentos sobre memória, aprendizagem, habilidades socioemocionais, atenção, etc...

Pode explicar melhor a metodologia que é repassada aos professores de Educação Física que querem ensinar xadrez na Rede?

No Heróis do Tabuleiro, não basta ensinar o aluno a jogar. O xadrez tem que ser uma ferramenta para o enfrentamento das dificuldades de aprendizagem. Então, o professor precisa não só entender dos fundamentos das peças, mas, principalmente, compreender porque o aluno está optando por certo movimento delas. Ele está antecipando algum deslocamento? Por que está se precipitando? Por ansiedade? Como ensinar-lhe a ser menos ansioso para que possa locomover melhor a peça?

Quais os próximos passos que o Heróis do Tabuleiro pretende dar?

Um deles é buscar ampliar o atendimento para, pelo menos, 10% das escolas de primeiro segmento da Rede. Além disso, e entre várias outras outras coisas, também gostaríamos de promover um encontro anual de xadrez com os alunos, aprimorar os estudos sobre nossa matriz curricular, lançar um livro de atividades enxadrísticas para apoiar a prática pedagógica de professores da modalidade...

 
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