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Copa do Mundo 2018: o russo e o alfabeto cirílico
14 Junho 2018 | Por Márcia Pimentel
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Cartaz oficial da Copa do Mundo na Rússia. Divulgação, Fifa

É tempo de Copa do Mundo e o noticiário se enche, cada vez mais, de imagens da Rússia. Saltam aos olhos as placas escritas com letras indecifráveis para nós, ocidentais, que adotamos o alfabeto latino. Não dá para desconfiar o que significa футбол e muito menos стадион. Mas quando essas palavras são pronunciadas – futbol e stadium, respectivamente –, não precisamos sequer recorrer ao dicionário. Só não pense que o russo é uma língua repleta de palavras originadas do latim. E nem se deixe enganar pelas letras cirílicas: o “Р”, por exemplo, tem som de “R” (aquele “errrrre” falado pelos paulistas); o “П” é que corresponde ao nosso “P”; e o “Я” sequer é consoante, mas vogal pronunciada com “iá”.

Cirílico e eslavo

O russo, tal como o português, pertence à vasta família das línguas indo-europeias, que se dividem em vários troncos. Entre eles, o latim, o sânscrito, o persa, o germânico e o eslavo, este último organizado em três ramos principais: o oriental (russo, ucraniano e bielorrusso), o ocidental (polaco, checo, eslovaco e sorábio) e o meridional (búlgaro, macedônio, servo-croata e esloveno).

Diferentemente do latim, cujos textos mais antigos remontam ao século VI a.C., o eslavo foi uma língua estritamente oral até o século IX d.C., quando os irmãos Cirilo e Methodio decidiram organizar sua representação escrita, a fim de facilitar a evangelização dos povos da Europa Central. Nascidos na Macedônia, eles dominavam as línguas grega (do pai) e eslava (da mãe). Segundo Diego Leite de Oliveira, professor adjunto de Língua Russa do Departamento de Línguas Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ, o cirílico foi criado por eles a partir do alfabeto grego e, ainda, do hebraico, por influência das escrituras sagradas.

O alfabeto cirílico russo atual tem 33 caracteres: 11 vogais, 20 consoantes e 2 sinais.

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Os dois sinais são “Ъ” e “Ь”. De acordo com o professor Diego Leite de Oliveira, eles são usados depois da letra que se pretende marcar. O primeiro (Ъ) está caindo em desuso por indicar o som normal da consoante. Já o segundo (Ь) é bastante usado na escrita: indica som palatalizado e/ou pausa após o caractere marcado. É também utilizado no fim da palavra para indicar o infinitivo do verbo. O russo não utiliza quaisquer outros sinais gráficos além desses. É uma língua que não tem acentos.

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Diego Leite Oliveira, professor adjunto de Língua Russa e coordenador do Núcleo de Estudos em Eslavística da UFRJ. MultiRio, 2018

O russo também não tem uma sílaba tônica predominante. Ela é bem distribuída entre o conjunto de vocábulos da língua, diferentemente do francês (cuja maioria das palavras é oxítona), do português (paroxítona) e do inglês (proparoxítona). Aliás, no russo, a sílaba tônica pode variar conforme a flexão da palavra, como é o caso de вода (água, pronunciada como vadá) e воды (águas, pronunciada como vódi). Observe que, no singular, a palavra é oxítona e, no plural, paroxítona. Perceba também que o som da vogal “o” mudou, pois é falada como “ó”, quando está numa sílaba tônica, e como “a”, quando em átona. E isso é uma regra geral. Repare que em cпасибо (leia-se spaciba, obrigado), o “o” tem som de “a”.

Para quem não conhece a língua, ela parece ainda mais confusa e complicada quando se sabe que não existe uma letra única para designar o plural, como o “s” em francês, espanhol, inglês, ou o “i” em italiano. Mas o professor da UFRJ está convencido de que o português é muito mais difícil que o russo, a começar pelos sons nasais (como “ão”) – impronunciáveis para a maioria das pessoas do planeta – e pelos verbos.

Não existe modo subjuntivo em russo. E, no indicativo, só há presente passado e futuro. “No caso do passado, apenas se coloca um prefixo para denotar se a ação foi concluída, ou não”, explica Diego. E mais! No caso do passado, não existe apenas variação de número, mas também de gênero. Ainda assim, a conjugação não parece complicada, bastando acrescentar ao radical o sufixo “л”, no masculino, “ла”, no feminino, e “ли” para o plural.

Já as formas nominais são mais complexas que em português. Existe gerúndio do presente e do passado – eu estou fazendo (Я делаю), eu estava fazendo (Я делал) – assim como no particípio, que ainda é conjugado de forma diferente nas vozes ativa e passiva. “O que precisamos prestar atenção, no caso dos verbos, é que sempre se usa a segunda pessoa do plural (vós) para se dirigir a alguém que não é íntimo. O tu (você) só é empregado quando a pessoa é bem próxima”, alerta o professor.

Gêneros e flexão sintática

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"Um homem analfabeto é como um homem cego. Fracasso e desgraça o aguardam por toda a parte", diz cartaz de campanha contra o analfabetismo, três anos após a Revolução Russa. Aleksei Radakov, 1920

O russo tem, segundo Diego, três flexões de gênero. Além dos substantivos masculinos e femininos, há também o neutro. Дом (casa, pronunciada como dom), por exemplo, é masculino. Луна (lua, luná) é feminino. E солнце (sol, solntse) é neutro. A língua, contudo, não tem artigo definido, nem indefinido.

Outra característica do idioma é a variabilidade da posição sintática das palavras. No português, há uma ordem “natural” no arranjo delas: sujeito, verbo, objeto direto e objeto indireto. Não que essa seja a única ordenação viável, mas é a mais clara e a mais inteligível. Já no russo, a disposição dos vocábulos na frase é muito mais flexível, sem prejudicar a compreensão. Isso é possível porque, no idioma, as palavras também são flexionadas conforme sua função sintática.

Em português, se trocássemos de posição o sujeito e o objeto direto na frase “João viu Maria”, o significado seria prejudicado, pois ficaria “Maria viu João”.

Já no russo, isso não acontece. “João viu Maria” pode ser dito e escrito assim “Иван увидел Марию” (leia-se Ivan uvidel Mariiu). E não é preciso trocar a posição do sujeito e do objeto direto para dizer “Maria viu João”. Basta mudar a flexão das palavras: “Иванa увиделa Мариюя” (Ivana uvidela Marii).

 
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