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Educação de jovens e adultos
28 Abril 2016 | Por Jane Paiva
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Jane Paiva, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Uerj. (Foto: Alberto Jacob Filho)

Para milhões de brasileiros, a alfabetização e o estudo continuado na idade adulta ainda são apenas um sonho. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 2011 mostrou que 96% dos analfabetos brasileiros têm mais de 25 anos, sendo que no Nordeste isso representa 21% da população.

Mas, hoje, não basta aprender a ler e a escrever o nome para a pessoa ser considerada letrada. É preciso fazer o uso social da leitura e da escrita, entender os significados e utilizações em diferentes contextos. Além disso, a proposta atual de educação de jovens e adultos não se encerra na alfabetização, mas contempla o estudo continuado que consiga atender às expectativas de cada um e inserir, de forma mais justa e ampla, o cidadão na sociedade.

Direito fundamental

A educação de jovens e adultos como direito vem se construindo desde o pós-guerra. A primeira vez que apareceu desta forma foi na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, onde foi expressa como um direito fundamental da pessoa. E também a partir da Unesco ter assumido a questão, em 1949, na primeira conferência internacional sobre educação de adultos.

Vivia-se o momento do pós-guerra, em que principalmente a Europa necessitava pensar um novo modo de educar seus adultos, que tinham se afastado de seu percurso regular por conta do conflito. Essas pessoas precisavam se reinserir na sociedade que se reconstruía. A educação de adultos foi encarregada de fazer essa reinserção. Portanto, não era uma educação destinada àquele que nunca foi à escola, mas trazia uma concepção de estudo continuado ao longo da vida, entendendo que o sujeito está em constante aprendizado. E, com todas as experiências e inserções, ele se humaniza o tempo todo.

O ensino supletivo surgiu com o objetivo de repor para jovens e adultos a escolaridade perdida no tempo da infância. A partir da Constituição de 1988 e da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, a educação de jovens e adultos foi recriada. A proposta era que as funções deixavam de ter aquele caráter do supletivo – suprimento, qualificação e aprendizagem –, que eram da lei anterior, para incorporar os novos sentidos da educação de jovens e adultos.

A inovação com Paulo Freire

Paulo Freire reconfigurou nessa discussão o que é o aprender e o que é o educar; colocou o sujeito no centro do processo. Ele lidou com o que se tinha, que era a silabação a partir de uma palavra geradora e que fazia sentido para esses sujeitos.

Com Freire, em vez de se trabalhar com uma palavra infantilizada, escolhia-se uma palavra do universo adulto. O professor continuava trabalhando com a palavra: dividia, tirava as sílabas e reconstruía palavras. Isso é muito simples para a gente que sabe ler; mas, para o analfabeto, não. Freire inovou ao dizer que é a partir do universo do sujeito, de suas produções, do seu estar no mundo, do que ele concebe, do que ele já conseguiu construir, que o educador vai trabalhar.

Mais mulheres na escola

Entre jovens e adultos são 13 milhões de brasileiros ainda sem saber ler e escrever, sendo uma parte significativa destes acima de 25 anos. Existem não alfabetizados de mais idade, sujeitos que vêm de uma história de interdições, uma história cultural.

As mulheres, por exemplo, não precisavam aprender a ler porque deveriam ser apenas boas donas de casa, arranjar um bom casamento. Essa lógica se inverteu completa e rapidamente na sociedade brasileira. Hoje, o número de mulheres supera o de homens em todos os níveis de ensino, em todos os cursos.

Motivação para estudar

A não escolarização, nos dias atuais, não acontece pela interdição à escola. Quem produz alunos não escolarizados, não concluintes é a própria escola, que dá o acesso, mas não consegue garantir nem a permanência, nem o sucesso deles.

São muitas as motivações que atraem jovens e adultos para a alfabetização, mas uma das mais fortes é que as pessoas não querem ser reconhecidas como fora desse universo da cultura do escrito, muito embora elas improvisem diferentes estratégias para criar vínculos com essa sociedade do escrito.

Nascemos numa cultura do escrito, mas é preciso recolocar que há outras formas de ler o mundo que não apenas a escrita, como as imagens, as práticas cotidianas.

Há uma história interessante de uma aluna da Uerj. Ela era cabeleireira, tinha duas filhas na universidade, um filho no curso médio de formação de professores e outro mais novo. Ela dizia: “Eu me sinto vitoriosa. Agora vim aprender a ler, mas durante toda minha vida meus filhos nunca souberam que eu não sabia ler, porque todos os dias eu sentava com eles e dizia: ‘o que é que vocês têm hoje de dever para fazer?’ Eles diziam: ‘lê aqui, mãe!’ Eu dizia: ‘não, vocês é que têm que ler!’ Então, eles liam e eu ajudava a explicar. Aprendia com eles também e nunca deixei de me interessar. Fiz com que se formassem, sem que eu soubesse ler. Agora, chegou a minha vez”.

A motivação para procurar o estudo pode ser o trabalho, a possibilidade de inserção, necessidades da família e também realizações pessoais – o sonho de saber ler e escrever. Nem sempre essas motivações serão respondidas pela escola. Muitos alunos chegam com o desejo de escrever apenas o nome, provavelmente porque se envergonham de seus documentos.

A escola é um lugar que legitima o saber, mesmo quando o aluno não é bem-sucedido, mesmo quando o currículo não é adequado, mesmo quando a própria escola não é boa. Mas ela tem um papel social importante, que é reconhecido por toda a sociedade.

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Desafios a enfrentar

O maior desafio hoje na alfabetização de adultos é o contingente de pessoas que precisam ser atingidas e não são. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional diz que o Estado brasileiro – incluindo a União, os estados e os municípios – tem que fazer a chamada pública. Todos ouvem a chamada pública em relação às crianças quando chega a época de matrícula, mas não escutam da mesma forma em relação aos jovens e adultos.

Existem outras questões. Uma escola inserida em uma comunidade precisa realizar um diagnóstico da demanda que ela tem em torno. Ela não pode atribuir a um horário da noite, a uma sala que sobra, o lugar da educação de jovens e adultos.

Houve um avanço significativo nas propostas de políticas públicas. O programa do livro didático inclui a educação de jovens e adultos, embora não se tenha chegado a um resultado parecido com o que se chegou com as crian- ças. As editoras ainda ensaiam resultados.

A visão integrada de currículo, que se enlace com saberes da prática, é uma realidade muito nova. Este é um desafio: sair de um lugar do conhecimento que diz que ciência se faz de um único jeito, para passar a entender que a ciência se faz rigorosamente enlaçada com os saberes do mundo, da televisão etc.

Turmas heterogêneas

A questão da relação entre as gerações é colocada em xeque muitas vezes pelos professores, que cobram turmas homogêneas. Nenhuma turma nesse setor é homogênea, mesmo quando as idades são aproximadas. Mas as gerações devem conviver: os idosos têm o que ensinar aos jovens e os jovens têm o que aprender e o que ensinar aos idosos.

É da natureza do jovem o movimento, a inquietação, fazer duas coisas ao mesmo tempo. Talvez isso atrapalhe a concentração dos mais velhos e cause constrangimento.

É preciso saber lidar com a situação e educar para essa convivência. Até porque este contato entre as gerações é uma experiência que se tem em família, não só na escola.

O Brasil começa a ser um país que está envelhecendo e terá, dentro de alguns anos, uma população muito mais idosa. Quais serão as políticas oferecidas de integração dessas pessoas à sociedade, se não for mais pelo trabalho? Como aproveitar seus conhecimentos, sua sabedoria para construir uma sociedade mais justa, igual e integrada?

Formação de professores

Ninguém está preparado para dar aulas a jovens e a adultos antes de viver essa experi- ência. É possível, sim, dotar os professores de condições e de alguns instrumentos com os quais possam chegar à prática e se mover com mais facilidade.

Eles têm o conhecimento e uma pequena experiência dada pelo estágio, que é integrante da formação. Mas nenhum estágio se compara a viver a realidade de uma sala de aula, ou na condição de orientar outros professores, ou de viver um projeto, ou ainda em participar de um grupo social que demanda algum conhecimento específico.

O grande risco é infantilizar o jovem e o adulto. Por isso, o professor precisa olhar pela perspectiva do sujeito que ele tem diante de si.

Apenas 15 cursos de Pedagogia no Brasil oferecem formação específica para o ensino de jovens e adultos, em um universo de quase mil faculdades. Os outros dispõem apenas de uma ou outra disciplina.

É frequente o jovem ou o adulto não conseguir ficar quatro horas em uma sala de aula copiando matéria do quadro, porque eles têm trajetórias descontínuas de aprendizado, têm pouca disciplina intelectual. Geralmente, é isto que o professor faz: coloca o exercício no quadro e eles ficam aquele tempo todo copiando. Os que sentem dificuldade desestimulam-se.

Paulo Freire dizia: os sujeitos não se evadem, são expulsos da escola. Exatamente porque o currículo é inadequado, o tratamento é inadequado e, muitas vezes, o horário também.

Um estudo recente sobre evasão escolar do professor Gerson Tavares do Carmo, da Universidade Estadual do Norte Fluminense, demonstrou que aquela era a justificativa: “Fui embora porque arranjei trabalho e não posso ficar na escola”. É uma justificativa aceita pela sociedade, mas que encobre uma série de outros fatores muito mais ligados à inadequação da escola e à inadaptação do currículo e das ofertas.

 

Jane Paiva é professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Uerj

Artigo extraído do fascículo Conceito & Ação (Parte 2), a partir da entrevista concedida.

 
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