ACESSIBILIDADE
Acessibilidade: Aumentar Fonte
Acessibilidade: Tamanho Padrão de Fonte
Acessibilidade: Diminuir Fonte
Youtube
Facebook
Instagram
Twitter
Ícone do Tik Tok

Imagem e educação
11 Novembro 2015 | Por Paola Barreto Leblanc
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp

artigo imagem 1Vivemos em um mundo saturado de imagens. Não mais restritas aos tradicionais circuitos exibidores de cinema e vídeo, as telas se multiplicam para além dos televisores domésticos, tornando-se superfícies navegáveis em smartphones, games e tablets

Dos displays do comércio e da indústria aos circuitos de videovigilância; dos monitores no interior dos ônibus às plataformas de metrô; e, como não poderia deixar de ser, do ambiente escolar à sala de aula.

Diante do papel central da imagem no mundo contemporâneo, refletir sobre usos potentes do audiovisual no contexto escolar é um grande desafio.

Por um lado, há o risco da sedução pura e simples pelo aparato, que por si só não constitui garantia de inovação nos processos de aprendizagem. Por outro, existe a resistência em assimilar a tecnologia, em uma recusa saudosista que enxerga nos métodos de ensino tradicionais o modelo mais adequado. Uma terceira via, de apropriação crítica, é a que tentaremos delinear neste breve artigo.

As imagens são interfaces que moldam o mundo e moldam nossas subjetividades. Pensar a educação audiovisual a partir de uma perspectiva emancipadora (Rancière, 1987) é visar não apenas a formação técnica, mas, antes de tudo, a conceituação e a problematização do fazer audiovisual. A apropriação das ferramentas para a criação de novas linguagens é o que está em jogo nessa perspectiva, superando-se o modelo de transmissão de saberes para reprodução de cânones. Dessa forma, o conhecimento é entendido como algo a ser construído, entre mestres e alunos.

Acreditamos que, através da elaboração de novas imagens, essas trocas podem ser potencializadas e novas formas e modos de fazer podem emergir. O impacto dessa abordagem vai além da produção de filmes, se desdobra na autoimagem, autoestima e autocrítica dos alunos e reverbera no aprendizado como um todo. Nesse sentido, abordaremos duas perspectivas.

Em primeiro lugar, vamos pensar o audiovisual na escola como prática transdisciplinar, não restrita às oficinas de vídeo ou atividades de cineclube – disciplinas absolutamente importantes e que devem ser estimuladas, mas que são o meio, e não o fim do ensino de audiovisual.

Em segundo lugar, falaremos especificamente de uma educação para as imagens, entendendo o ensino de audiovisual como um campo de disputa entre linguagens que precisam ser desenvolvidas com os alunos, promovendo a reflexão sobre a sociedade contemporânea, que já foi chamada de sociedade do espetáculo (Debord, 2000) e, em um cenário mais recente, de sociedade de controle (Deleuze, 1992).

Se a escola negligenciar o papel capital da educação para as imagens no mundo contemporâneo, coloca-se sob o risco de não colaborar com a formação de cidadãos críticos, atuantes e conscientes. Nesse sentido, o ensino audiovisual deve apresentar a técnica não como mero instrumental de realização. Não se trata de treinamento de operadores de câmera ou técnicos de microfone assujeitados pela técnica, mas de conhecê-la para transformá-la. Criar imagens é criar mundos.

artigo imagem 2Quando falamos em transdisciplinaridade, não nos referimos às formas de utilização do vídeo como material didático e de apoio para outras disciplinas – através da utilização de documentários, videoaulas, etc. Aqui, no caso, estamos olhando para o engajamento em outras disciplinas que a prática audiovisual demanda, em um movimento de abertura das caixas-pretas (Flusser, 2008) que busca entender o funcionamento dos aparatos, decifrando-lhes as lógicas ocultas. Nesse sentido, os conhecimentos transversais de óptica geométrica, teoria de cores e outros campos científicos que fundamentam a técnica audiovisual são tão importantes quanto a reflexão filosófica e o domínio da linguagem oral e escrita para articulação de conceitos e estruturação de projetos. Em um ambiente de criação audiovisual escolar que promove o protagonismo dos alunos, são ainda desenvolvidas e estimuladas a habilidade para o trabalho em equipe, a capacidade de gerenciamento de cronogramas, a distribuição de tarefas e outras práticas colaborativas fundamentais que fortalecem os quatro pilares da educação.

Quando investigamos as origens da fotografia, o contexto histórico do surgimento do cinema, do vídeo e da imagem digital, percebemos o quanto a técnica está sempre enredada em agenciamentos que são a um só tempo discursivos e políticos. De forma que seria incompleto propor um ensino audiovisual que se concentrasse exclusivamente no domínio de ferramentas e vocabulários específicos que não estivessem em relação com as outras disciplinas e o mundo lá fora.

As novas gerações chegam à escola em um mundo acelerado pelas novas mídias e, em todas as classes sociais, estão cada vez mais cedo familiarizadas com aparelhos navegáveis e superfícies interativas. Vivemos uma época de imagens condicionadas pela lógica do hipertexto e da interatividade, e a facilidade com que passamos de um canal a outro, de uma mídia a outra, modifica a maneira como nos comunicamos e produzimos imagens. O discurso audiovisual linear, unívoco, cede espaço às dinâmicas de jogo e conectividade. Multiplicam-se fotologs, videologs e plataformas de compartilhamento de conteúdos, nas quais os alunos já estão produzindo. Podemos olhar para esse novo regime de trocas dialógicas, responsivas, como potencializador dos processos de aprendizagem que se pensam como uma via de mão dupla: onde se ensina aprendendo e onde se aprende ensinando. É curioso notar que o verbo apprendre, em francês, signifique tanto “aprender” quanto “ensinar”, variando-se apenas a presença de um pronome – j’apprends (eu aprendo) ou je t’apprends (eu te ensino). Da mesma forma, o substantivo grego mathema, que dá origem à mathemata (matemática), significa, ao mesmo tempo, “o que se aprende” e “o que se ensina”.

Antes de qualquer revolução tecnológica, a educação sempre foi um campo de interação. O modelo engessado de transmissão de um saber consolidado concentrado na figura do professor cai por terra quando entramos nas dinâmicas de rede, nas quais mestres e alunos estão imersos. A imagem estilhaça-se em novas formas de visualização que correspondem a outras lógicas pictóricas, que não se reduzem às formas canônicas. Se antes dispor de uma filmadora e uma mesa de montagem era privilégio para poucos, hoje câmeras e equipamentos de edição estão a cada dia mais acessíveis. O que nos traz de volta a questão inicial da importância da conceituação e da problematização da produção.

sobra artigo narrativa 2Diante da abundância de aparatos e da avalanche de imagens, qual o papel do professor? Quando qualquer um pode acessar um fórum de discussão ou uma página de tutoriais que “ensinam” como fazer, é preciso repensar o formato da sala de aula, que se recontextualiza como um espaço de encontro e troca de experiências.

Para dialogar criticamente com a produção de imagens contemporânea, é preciso investir na educação para as imagens. E isso não se resume à compreensão de diafragmas e obturadores, filtros de cor ou características de microfones. Ler uma imagem significa interpretá-la, relacioná-la a um contexto de produção, entender que uma imagem dá forma a um discurso. De maneira que é através da perspectiva crítica, de entendimento dos processos, que poderemos formar cidadãos que programem imagens de mundo (Heidegger, 1986; Flusser, 2008) libertadoras. É aí que entra a figura do professor, como um mediador, um interlocutor, um provocador. E, nesse sentido, práticas de análise de filmes, programas de televisão, jogos e outros produtos audiovisuais são tão importantes quanto a produção propriamente dita.

Jacques Rancière, em seu seminal O Mestre Ignorante, propõe uma pedagogia da emancipação, baseada na igualdade universal das inteligências. Pensando uma educação para as imagens desde essa perspectiva, acreditamos que os alunos “vão se tornar participantes ativos em uma ação coletiva em vez de continuarem como observadores passivos” (Rancière, 2004). Toda a teoria da montagem dialética de Sergei Eisenstein aponta para o fato de que é na mente do espectador que se produz o sentido do filme. O sentido não está previamente depositado nas imagens, mas ele se constrói a partir da atividade incessante do espectador em relacionar as imagens às quais assiste. Quando apresentamos em sala a chamada linguagem clássica narrativa, com as figuras de plano e contraplano, as regras de 180º, as leis de decupagem e relação de causalidade e contiguidade entre planos, esses elementos precisam estar em articulação com a emergência de novos modelos de imagem que vêm dos games, da internet e dos ambientes interativos. São outras formas de percepção, que produzem um tipo de atenção distraída, operando com múltiplas janelas, que criam novas formas narrativas. É com as novas gerações que vamos aprender e desenvolver novos formatos. Precisamos estar atentos e abertos para isso.

Paola Barreto Leblanc – Doutoranda em Artes Visuais e mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Graduada em Cinema pela Universidade Federal Fluminense. Professora do Curso de Multimídia do CEJLL/NAVE-SEEDUC/RJ. Diretora e cineasta.

 
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Whatsapp