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Os cortiços do centro do Rio, lugares insalubres e sinônimos do atraso diante da modernidade pretendida, não escaparam da política do “bota-abaixo” (Crédito: Augusto Malta/Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro)

Havia os que não concordavam com as mudanças do prefeito Pereira Passos. Comentavam, alarmados, sobre as cifras do empréstimo obtido junto à Inglaterra, que alcançava a metade da receita da União: 8.500.000 libras esterlinas. Na época, o escritor Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) criticou fortemente as obras orquestradas por Francisco Pereira Passos (1836-1913) e sua equipe de engenheiros e operários. Acreditava que tomavam-se altas somas para demolir as velhas casas da capital federal. Lima criou uma fictícia República dos Estados Unidos da Bruzundanga e disse que de ”uma hora para a outra, a antiga cidade desapareceu e outra surgiu como se fosse obtida por uma mutação de teatro. Havia mesmo na cousa muito de cenografia”. Segundo o escritor, as reformas dividiam o Rio em duas partes, “uma europeia e outra indígena”, na época em que indígena tinha o sentido de nativo. Nesta porção da urbe, viviam os negros, os nordestinos, os imigrantes latinos, enfim, gente pobre de todo o país.

“O projeto urbanístico das elites visava esconder essa parte da cidade como se fosse uma vergonha, sinônimo de atraso”, concluiu a historiadora Mônica Velloso. O professor de arquitetura e urbanismo Luiz Guilherme Rivera de Castro afirma que não se “trata de negar as necessidades de saúde pública ou de criação de ambientes urbanos aprazíveis. Mas, por outro lado, (...) não se pode louvar essas intervenções justificando os danos colaterais provocados como se fossem questões de menor importância”. Refere-se ao fato de que a população trabalhadora desfavorecida, sendo expulsa de suas habitações, não tinha outra opção se desejava permanecer mais ou menos próxima aos seus locais de trabalho, a não ser a de construir casebres nos morros próximos ao centro do Rio.

Se, por um lado, a iniciativa do governo federal deu andamento à modernização necessária, adequando o centro da cidade (em particular a região do porto), por outro, trouxe efeitos excludentes nefastos e duradouros para os habitantes mais necessitados. Nesse sentido, as reformas promovidas durante a administração Pereira Passos são apontadas, frequentemente, como responsáveis pelo aparecimento das primeiras favelas no Rio de Janeiro. Sobre o tema, Lilian Fessler Vaz, arquiteta e urbanista, considera que “as classes populares se dispersaram pelos subúrbios (...) e pelas favelas que passaram a fazer parte da imagem urbana carioca num contraponto à modernização”. Chama ainda a atenção o fato de que tais localidades passaram a fazer parte da crônica policial. Para o historiador Romulo Costa Mattos, essa forma de tratamento, especialmente pela imprensa, contribuiu “para a formação de uma memória social de acordo com a qual as favelas seriam, por excelência, territórios das ‘classes perigosas’ na cidade do Rio de Janeiro”.

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As demolições e desapropriações culminaram em um grande número de desabrigados sem condições de arcar com os impostos e aluguéis, que ficaram encarecidos com a reforma urbana (Crédito: Augusto Malta/Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro)

Em 1905, diante das notícias que pontilhavam os periódicos, somadas às denúncias feitas pelo jovem engenheiro da Prefeitura da capital federal Everardo Adolpho Backheuser, o governo federal nomeou uma comissão para tratar a questão da crise de moradias. Contudo, para um número de mais de duas mil habitações demolidas, ergueram-se em torno de uma centena. As obras terminaram somente em 1908, e as habitações foram ocupadas pelos funcionários da própria municipalidade, conforme denúncias publicadas nos jornais que faziam oposição aos administradores da época.