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A Rua Camerino, no centro do Rio, por volta dos anos 1900, quando os lampiões de iluminação ainda eram a gás (Crédito: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro)

Se, por um lado, o Rio de Janeiro, na primeira década republicana, vivia as expectativas de mudanças com a instauração do novo regime político, por outro, pairavam incertezas. “Substituir um governo e construir uma nação, essa era a tarefa que os republicanos tinham que enfrentar”, segundo palavras do historiador José Murilo de Carvalho. Tarefa difícil e repleta de meandros.

Depois dos inúmeros projetos que antecederam o 15 de Novembro, o que viria adiante? Essa seria a república dos sonhos? Haveria um abismo entre o almejado e a realidade? Tais questionamentos tomaram conta da geração de intelectuais composta por dezenas de estudantes que frequentaram a Universidade de Coimbra e a Faculdade de Direito do Recife.

Essa elite inquieta desejava recriar a nação nos derradeiros tempos do Império, tendo como conteúdo crítico, por exemplo, o obsoleto sistema monárquico e os modelos arcaicos de pensamento e de ensino. Naquela época, o intelectual Silvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (1851-1914) lamentou que “o nosso querido e desventurado Brasil tem sido levado a não se parecer com povo algum da Terra”. O escritor referia-se a uma nova era mundial de conhecimentos e de leituras que envolviam conceitos como o determinismo climático, do historiador inglês Henry Thomas Buckle (1821-1862), o positivismo, do filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), o evolucionismo, do pensador inglês Herbert Spencer, e o darwinismo social, originado na teoria da seleção natural, proposto pelo naturalista inglês Charles Robert Darwin (1809-1882).

No alvorecer republicano, para outros autores contemporâneos de Romero, como Tristão de Alencar Araripe Junior (1848-1911), José Veríssimo Dias de Matos (1857-1916) e Euclides Rodrigues da Cunha (1866-1909), que tomavam a Europa Ocidental como ponto de referência, o Brasil estava especialmente distante de se transformar em um país moderno e progressista, como lhes parecia ser a Inglaterra industrial ou a França civilizada. Esses autores debateram a entrada do Brasil nos trilhos do progresso, seguindo um molde eurocêntrico, o que, de certa forma, tornava a discussão sobre a nacionalidade brasileira bastante ambígua. Era necessário equilibrar a realidade do país com aquele modelo científico que colocava o que era europeu (povo, hábitos, arte, arquitetura, etc.) como elemento fundamental para a existência de uma sociedade dita moderna e protagonista daquele tempo.

Incorporando, então, seletivamente esse “bando de ideias novas”, segundo expressão utilizada pelo escritor Sílvio Ramos Romero, os letrados que participaram do processo que culminou com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 desejavam que o Brasil encontrasse o caminho do progresso, integrando-se à experiência, até então vitoriosa, dos países do Ocidente considerados adiantados. Esses pensadores, desencantados com a chamada obra de 1889, perseguiram, então, a ideia de uma identidade coletiva para o país, de uma base para a construção da nação. Tratava-se de buscar alicerces que redefinissem a república e que estabelecessem um governo republicano que “não fosse uma caricatura de si mesmo”, segundo palavras do historiador José Murilo de Carvalho.

Porém, apresentava-se outro grande desafio: o de buscar equilibrar as diferentes forças políticas que compunham o cenário republicano em torno da construção de uma estrutura suficientemente harmoniosa, um pacto que mantivesse o regime estável. De acordo com o historiador Lincoln de Abreu Penna, “em meio a esse clima de arranjos possíveis (...) que a República projetou seus primeiros passos em direção à consolidação do novo regime”.

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Professores da Universidade de Coimbra, onde boa parte dos intectuais brasileiros era formada. Data provável da foto: 1899 (Crédito: Alberto Carlos Lima/Arquivo Municipal de Lisboa)

Mas todos esses eventos que fizeram parte da história política do Rio de Janeiro ao longo do tempo, no dizer da historiadora Marly Motta, não deveriam torná-la “refém de um passado percebido como uma ‘idade de ouro’ e, por isso mesmo, (...) incapaz de projetar seu futuro”. Devem, sim, caracterizar a sua especificidade, estudando os “seus principais atores, trajetórias, projetos e estratégias de ação, bem como a análise dos padrões da cultura política e das forças balizadoras do seu campo político”.