dom joao iv
D. João IV, rei de Portugal conhecido como O Restaurador, por ter dado fim à União Ibérica em 1640. Óleo sobre tela de 1643 (Crédito: Avelar Rebelo/Paço de Vila Viçosa)  

Os últimos anos do século XVII testemunharam promessas de riquezas para os cofres metropolitanos oriundos da colônia. A grave crise econômica e financeira que Portugal enfrentava desde a Restauração seria superada com a chegada do ouro extraído da região das Minas Gerais, assim conhecida por reunir diferentes jazidas em regiões diversas, que hoje correspondem aproximadamente aos estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Por um tempo, os metais e as pedras preciosas recolhidas pelo Tesouro real deram uma trégua aos problemas do Reino. Entre as dificuldades, estavam questões como a recuperação da esquadra portuguesa, tão necessária à manutenção do império colonial, praticamente destruída após inúmeras batalhas travadas ao lado da armada espanhola, durante o período conhecido como União Ibérica.

Outra situação importante era o fato de Portugal ser um país essencialmente agrícola. Quase tudo era importado. Faltavam manufaturas; objetos e utensílios diversos não existiam em quantidade suficiente para atender às necessidades dos seus habitantes. Acordos comerciais, quando firmados especialmente com a Inglaterra, nem sempre beneficiavam Portugal. Contrastando com tal realidade, a Corte vivia luxuosamente, cercada de conforto, ostentando o ouro que fluía dos trópicos. A dependência econômica e os gastos excessivos esvaziavam os cofres da Coroa, acentuando o desequilíbrio na balança comercial portuguesa. Dívidas e situações adversas se acumulavam. Por um tempo, o envio dos metais e das pedras preciosas deu uma trégua às dificuldades econômicas e financeiras do Reino. A Coroa deixava para depois qualquer preocupação relativa ao esgotamento das minas. E o dito popular, associado ao nome Terra dos Papagaios (citado em mapas do século XVI), circulava pelos caminhos coloniais: “Papagaio real, ficou rico e foi para Portugal”.

Nesses tempos, por sua vez, o Rio de Janeiro adquiriu maior importância e centralidade. A capacidade articuladora da cidade litorânea havia ultrapassado os limites da Baía de Guanabara, alcançando uma dimensão “aterritorial atlântica”, segundo a historiadora Maria Fernanda Bicalho. Sua posição meridional aproximava o Rio de Janeiro da Bacia do Rio da Prata e dos negócios que por lá aconteciam. No período entre 1580 e 1640, correspondente à União Ibérica, os limites na América do que era possessão portuguesa ou do que era possessão espanhola ficaram indefinidos. Inúmeros comerciantes portugueses sediados na cidade ampliaram significativamente o comércio intercolonial. No decorrer do século XVII, a cidade estabelecera uma rede de trocas no Atlântico Sul (Rio da Prata) e na costa africana (Angola), que era um importante porto de escravos.

No início do século XVIII, mais e mais embarcações alcançaram seu porto, incluindo-o nas rotas comerciais marítimas. Dezenas de comboios partiam ou tinham como destino a cidade. Tal movimentação foi responsável pelo desenvolvimento da rede urbana e pela intensificação dos negócios, facilitada pela extensa bacia hidrográfica que circunda a Baía de Guanabara. Consolidava-se a vocação comercial do Rio de Janeiro como principal porto colonial e também como o mais vigiado.

Bônus e ônus. Se, por um lado, todos esses fatos e situações transformavam a cidade em ponto de articulação, abrindo-a ao vai e vem de pessoas e de artigos diversos, por outro, crescia a preocupação metropolitana em cercá-la de fortalezas, muralhas e do que mais fosse necessário. O assédio de estrangeiros, inimigos de Portugal, não cessava. As descobertas das minas auríferas criaram outras circunstâncias, no início dos setecentos, para o Rio de Janeiro, então porto exclusivo do ouro. Multiplicavam-se as ameaças de que forasteiros almejassem ocupar ou saquear a cidade depositária das riquezas da região das Minas Gerais.

Outros riscos surgiam no horizonte próspero e vigiado: o Tribunal da Santa Inquisição, que alcançou o auge de sua atuação no século XVIII, necessitando obter recursos pelo confisco de bens daqueles que julgava hereges, passou a enviar representantes ao Rio de Janeiro, trazendo pânico e terror para a população. Afinal, motivos não faltavam: após a denúncia e o julgamento, sem direito à defesa, o réu não sabia o porquê nem por quem havia sido denunciado e, consequentemente, condenado.

A Coroa lusa compreendia que ações urgentes se faziam necessárias em tempos em que estabilidade era apenas uma palavra na Europa Ocidental. A Guerra dos Sete Anos (1756-1763) refletia as tensões e as disputas entre as monarquias europeias, organizadas em intrincadas alianças. Novamente, era primordial defender, inibir e vigiar, garantindo a propriedade do cobiçado pelo alheio. A cidade deveria ser, no caso de algum ataque estrangeiro, segundo a historiadora Maria Alice Rezende de Carvalho, “o centro de onde partiriam reforços militares quer para o norte, quer, principalmente, para o sul, onde se anteviam problemas de maior vulto entre Portugal e Espanha”.