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As províncias do Brasil na época da Revolução Pernambucana. Mapa publicado no Atlas Histórico Escolar do Ministério da Educação, 2015. Uso amparado pela Lei 9610/98

A permanência da família real no Brasil, de interesse dos proprietários de escravos e de terras, comerciantes e burocratas da região centro-sul, não satisfez os habitantes das demais regiões do país, fossem eles proprietários rurais, governadores ou funcionários. O primeiro grupo tinha consciência de que os favores e privilégios concedidos pelo monarca português eram os responsáveis pelo seu enriquecimento; o segundo vivia, desde a instalação da corte no Rio de Janeiro, uma situação paradoxal: afastado do poder, tinha, ao mesmo tempo, o ônus de sustentá-lo.

Outro grupo extremamente descontente com a política de favorecimento de D. João era composto pelos militares de origem brasileira. Para guarnecer as cidades e também ajudá-lo em suas ações contra Caiena e a região do Prata, D. João trouxe tropas de Portugal e, com elas, organizou as forças militares, reservando os melhores postos para a nobreza portuguesa. Com isso, o peso dos impostos aumentou ainda mais, pois agora a colônia tinha que manter as despesas da corte e os gastos das campanhas militares.

Como analisa a historiadora Maria Odila Silva Dias, "a fim de custear as despesas de instalação de obras públicas e do funcionalismo, aumentaram os impostos sobre a exportação do açúcar, tabaco e couros, criando-se ainda uma série de outras tributações que afetavam diretamente as capitanias do Norte, que a corte não hesitava em sobrecarregar com a violência dos recrutamentos e com as contribuições para cobrir as despesas da guerra no Reino, na Guiana e no Prata. Para governadores e funcionários das várias capitanias, parecia a mesma coisa dirigirem-se para Lisboa ou para o Rio".

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Um fazendeiro e sua esposa em viagem. Os proprietários de terra compunham o grupo de insatisfeitos da província de Pernambuco. Ilustração do livro Viagens ao Nordeste do Brasil, de Henry Koster, publicado em 1816. Domínio público

Esse sentimento de insatisfação era particularmente forte na região nordestina, a mais antiga área de colonização do Brasil, afetada pela crise da produção açucareira e algodoeira e pela seca de 1816. Lá, o desejo de independência definitiva de Portugal era profundo. Em Recife, capital da província de Pernambuco e um dos principais portos da região, o descontentamento era enorme. O sentimento generalizado era de que os "portugueses da nova Lisboa" exploravam e oprimiam os "patriotas pernambucanos". Esses homens, descendentes da "nobreza da terra" do período colonial, formada pela elite canavieira de Olinda, que tinha participado da Guerra dos Mascates, consideravam justificado o crescente antilusitanismo na Província.

Francisco Muniz Tavares, uma destacada figura da sociedade pernambucana, assim se referia a D. João: "Porquanto, que culpa tiveram estes (habitantes de Pernambuco) de que o príncipe de Portugal, sacudido de sua capital pelos ventos impetuosos de uma invasão inimiga, saindo faminto de entre os seus lusitanos, viesse achar abrigo no franco e generoso continente do Brasil, e matar a fome e a sede na altura de Pernambuco?".

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Domingos José Martins, um dos heróis da Revolução de 1817, tinha amigos em Londres e nos Estados Unidos e foi influenciado pelas ideias liberais desses lugares. Uso amparado pela Lei 9610

As ideias liberais que entravam no Brasil junto com os viajantes  estrangeiros e também por meio de livros e de outras publicações que chegavam incentivavam o sentimento de revolta entre os pernambucanos. Também já haviam chegado, desde o fim do século XVIII, as sociedades secretas, como as lojas maçônicas. Em Pernambuco existiam muitas delas, como Patriotismo, Restauração e Pernambuco do Oriente, que serviam como locais de discussão e difusão das "infames ideias francesas".

À medida que o calor das discussões e da revolta contra a opressão portuguesa aumentava, crescia também o sentimento de patriotismo dos pernambucanos, ao ponto de passarem a usar nas missas a aguardente no lugar do vinho e a hóstia feita de trigo, como forma de marcar sua identidade. Pelas ruas de Recife se ouvia, aqui e ali, o seguinte verso:

"Quando a voz da pátria chama
tudo deve obedecer;
Por ela a morte é suave
Por ela cumpre morrer”.