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A cidade de Salvador em ilustração publicada na obra Navigatium Atque Itinerarium Bibliotheca, de John Harris, 1744. Domínio público

Apesar do empenho em contrário das autoridades portuguesas, as "infames ideias francesas" não demoraram a atravessar o Atlântico. Ao Porto de Salvador, o mais movimentado no período colonial, chegavam os novos ideais. O governo português tentava impedir a entrada de livros contendo as ideias revolucionárias, mas, apesar de toda a vigilância, livros, folhetos e documentos circulavam clandestinamente, algumas vezes trazidos por estudantes brasileiros que retornavam de estudos em universidades da Europa.

Em 1796, a estadia do francês Larcher na Bahia contribuiu para a difusão das ideias revolucionárias. Encarregado de vigiá-lo, o tenente Hermógenes de Aguilar Pantoja, além de aderir a seus ideais, apresentou-o a baianos ilustres. Nos serões realizados na casa do farmacêutico João Ladislau Figueiredo e Melo, na Barra, Larcher discutia o pensamento dos filósofos iluministas com o padre Francisco Agostinho Gomes, com o senhor de engenho Inácio Siqueira Bulcão, com o cirurgião Cipriano Barata, com o professor e poeta Francisco Muniz Barreto e outros membros da sociedade baiana.

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Estudante do século XVIII, da Universidade de Coimbra, onde os mais favorecidos da colônia costumavam estudar. Autor desconhecido. Domínio público, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra

No ano seguinte, em julho, na mesma casa em que ocorreram as reuniões com Larcher, foi fundada a loja maçônica Cavaleiros da Luz, onde eram lidos os livros de Rousseau e outras obras de iluministas franceses. A maçonaria, sociedade política surgida na Europa na segunda metade do século XVIII, divulgava as ideias liberais visando combater os princípios absolutistas e mercantilistas.

Na América, as lojas maçônicas, além de difundir as ideias francesas, contribuíram para a descolonização. Aliadas aos interesses das elites descontentes com a metrópole, elas desempenharam papel libertador, incentivando as lutas pela independência.

A princípio, essas ideias circulavam apenas entre os letrados, mas logo começaram a se propagar entre as camadas mais humildes da população, como soldados, alfaiates, mulatos, negros escravos ou libertos. Para essa população, vítima de preconceito racial e sujeita a muitas restrições que a impediam de ocupar determinados cargos e de ascender socialmente, os ideais republicanos tiveram profunda repercussão. Enquanto a elite intelectual conspirava em suas casas e em sociedades secretas, os homens pobres o faziam murmurando nas ruas. Por meio de manuscritos contendo a tradução dos livros dos enciclopedistas franceses, de boletins e de conversas, as novas ideias espalhavam-se.

Aos poucos, o movimento escapou das mãos da elite, adquirindo um caráter popular e social. A marca popular diferenciou a Conjuração Baiana da Mineira. Os alfaiates João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino dos Santos, aliados aos soldados Lucas Dantas de Amorim e Luís Gonzaga das Virgens, passaram a pregar a república, que traria a igualdade para todos. A monarquia significava opressão, como afirmava um dos boletins em que os conjurados diziam: "Povo que viveis flagelados com o pleno poder do indigno coroado, esse mesmo rei que vós criastes; esse mesmo rei tirano é o que se firma no trono para vos veixar, para vos roubar e para vos maltratar".

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O antigo Largo da Piedade, em Salvador, cidade onde as "infames ideias francesas" não circularam apenas entre as elites, mas também entre os populares. Litografia de Louis-Julien Jacottet baseada em desenho de J. M. Rugendas, 1835. Domínio público

No entanto, as ideias de liberdade e de igualdade não eram vistas da mesma maneira por todos os envolvidos na Conjuração. Para a elite branca colonial, liberdade significava o não pagamento de tributos, o fim do monopólio comercial e a independência em relação a Portugal. Membros da classe proprietária de escravos e de terras desejavam o fim da escravidão, retraindo-se à medida que a ideia de uma república igualitária crescia entre as camadas pobres. Notícias da revolução no Haiti, onde a luta passara dos colonos europeus aos mestiços e negros, assustaram os grandes proprietários, ainda mais que, na Bahia, a população de cor negra correspondia a 80% dos habitantes da capitania. Para a massa popular, a liberdade era a igualdade de direitos para todos, o fim do preconceito de raça e cor e dos privilégios. Segundo o historiador István Jancsó, "a liberdade era tida por condição de igualdade", o que implicava no fim da escravidão e da subordinação colonial.

A igualdade de direitos para todos, aspiração dos conjurados baianos, aparece em vários escritos, como, por exemplo, no ofício enviado ao governo pelo soldado Luís Gonzaga das Virgens, preterido numa promoção: "O suplicante é um indivíduo da classe dos referidos desgraçados, tem a mágoa, a mágoa inconsolável, de ver subir aqueles que nada mais têm que a cor branca".